Caiado diz que carreatas são de carros Land Rover e BMW
Foto: José Cruz/Agência Brasil
O governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), 70, diz que está sendo pressionado pelo setor privado para afrouxar o isolamento que decretou no estado para enfrentar a pandemia do coronavírus.
O político chamou de insensatez a campanha liderada por Jair Bolsonaro com mote “O Brasil não pode parar”, contra as medidas de quarentena adotadas em diversos estados.
Segundo ele, os poucos participantes de um ato que ocorreu em Goiás no fim de semana contra o isolamento estavam de BMW e Land Rover.
Caiado afirma que a “urgência urgentíssima” do momento é que o governo tome medidas o mais rapidamente possível para garantir a alimentação das pessoas e que, se isso não ocorrer, vai haver desobediência civil e o povo vai quebrar tudo.
“As empresas vão ter diferimento de imposto? Muito bom. Mas isso tem como adiar, prorrogar. Agora o que não dá é para dizer ao cidadão ‘daqui a cinco dias vou fazer a comida chegar na sua casa, tá?'”, disse ao Painel.
Antes principal aliado do presidente, o governador agora, após a ruptura, recomenda a Bolsonaro vestir o “manto da humildade”.
Como avalia o combate à doença neste momento?
A tese que estou defendendo é a seguinte: tem que se pensar no cidadão que está igual barata tonta, porque escuta uma coisa do presidente, outra do ministro da Saúde, outra do ministro da Economia, outra da Cidadania. Não dá para não ter ação conjunta desses três ministros. Eles deveriam estar falando com a população três vezes ao dia, porque o cidadão precisa saber como pegar os R$ 600, onde, e quando é que vai chegar.
As empresas vão ter diferimento de imposto? Muito bom. Mas isso tem como adiar, prorrogar. Agora o que não dá é para dizer ao cidadão ‘daqui a cinco dias vou fazer a comida chegar na sua casa, tá?’
Nós atrasamos nossa etapa de equipar a saúde. Começou na China e todo mundo achava que aquilo era ficção. Não tivemos tempo de colocar cama, maca, respirador. Paciência, leite derramado. Agora o segundo passo é: como explicar ao cidadão que está em casa, que é ambulante, feirante, onde ele vai arrumar comida? Porque se o governo não tiver uma ação rápida, vai dizer que o cidadão está cometendo desobediência civil? Lógico, ele está sem comer. Ele vai ficar esperando?
O senhor está sendo pressionado para reabrir o comércio?
Demais. Depois da fala do presidente [na última terça, 25], para eu manter o meu decreto aqui [de fechamento] foi na raça. Até o dia 4 ninguém abre. Hoje [domingo, 29], recebi uma decisão judicial proibindo carreatas no estado. Nossa grande dificuldade é que os empresários estão dizendo que precisam abrir. Mas, primeiro, se eu começar a abrir tenho que ter critérios claros e condições que não colapsem o quadro hospitalar. Isso vou segurar com mão de ferro. Segundo, eu disse a eles ‘vocês vão ter que assinar um termo de acordo se responsabilizando pelas pessoas que tiverem sido contaminadas ou se contaminarem dentro da empresa de vocês’. Porque agora pedem para abrir e daqui a 20 dias vão dizer que o povo está morrendo porque não tem UTI. Não podem querer ficar bonzinhos nas duas fotos.
E tem mais, a reunião para deliberar sobre os pontos que poderemos flexibilizar, dependendo de cada região do estado, terá que ter também representantes dos sindicatos dos trabalhadores. Porque na verdade é uma posição muito cômoda, porque o cara quer garantir a indústria e coloca as pessoas para trabalhar. Mas ele tomou as medidas necessárias? Implantou os testes necessários? Então, vamos. Agora, ele quer voltar de qualquer maneira, sem fazer nada, e quer responsabilizar depois o Estado pelo caos?
Quais são os princípios que está analisando para flexibilizar o isolamento?
Uma região, por exemplo, que é extremamente fragilizada é o entorno de Brasília, que não tenho como flexibilizar muito, porque estou desprotegido ao lado de uma região que explodiu de coronavírus.
Algumas atividades não pararam, com o distanciamento mínimo de 1 metro. Frigoríficos, pecuária, colheita, comercialização e transporte de toda a rede básica, transporte de gás e supermercados e farmácias.
O problema é que não temos ainda uma validação dos testes que podemos aplicar. Porque infelizmente tem alguns dando falso negativo. Aí você gasta um dinheirão para ter um teste que não está validado pelo Ministério da Saúde, nem pelos critérios da Anvisa.
Os testes estão dando falso negativo?
Quando se fala testou positivo no RT-PCR, aí ninguém tem dúvida. Agora, quando se fala no IgG e no IgM, aí tem critérios diferentes porque são testes de longo prazo, que olham os anticorpos. O positivo significa que já contraiu a doença, mas se for negativo não pode excluir o caso porque ele pode estar naquele período em que ainda não foi detectado. São exames bons mas dentro de um critério.
Os americanos estão fazendo em grande volume destes testes e é lógico que eles vão poder flexibilizar mais [o isolamento] com um controle que pode ser feito num intervalo de 3 a 5 dias. Mas teremos condições de adotar a mesma metodologia? Até agora não tivemos essa chance. Estou como louco tentando comprar 600 mil testes. Aí sim eu teria mais controle. Mas até o dia 4 eu não terei isso, portanto, terei que optar por outras regras. Mineração, será que posso flexibilizar? Obras em rodovias ao ar livre? Construção civil? Vou me preparar porque também não vou perder o período de esforço que fizemos até agora, dando conta de segurar [o coronavírus], para deixar que as coisas se percam nos próximos dias. Então, tem que calibrar esse processo.
Mas sem teste, a avaliação não está sendo feita no escuro?
Não há um parâmetro tão preciso, nem com teste. Agora, se a curva aumentar, eu fecho de novo. Porque isso não é um tratamento com saída única, mas sim de acordo com a resposta do quadro epidemiológico. A região sul do estado vou poder soltar? Provavelmente sim. A próxima de Goiânia, também, porque tenho mais estrutura hospitalar. Mas o nordeste do estado e o entorno de Brasília não, por vários complicadores. E mesmo em regiões que vou liberar, tem segmentos que não serão autorizados enquanto não tivermos estrutura mínima hospitalar.
O senhor cogita abrir escolas? O presidente insiste na tese controversa de que crianças não adoecem.
Ele não entendeu que o problema não é a doença, mas a transmissão. E eu não concordo muito com essa tese. Acho que se a gente abrir a guarda, vamos ter casos aí. Tenho um colega de 33 anos, médico, que está em estado grave. Precisamos de cautela, fazer coisas indiscriminadas não dá. Qual é o meu raciocínio? Aluno de 14 anos ou mais, que não precisa que os pais levem na escola, com professores menores de 50 anos, seria possível? Não enxergo isso para o dia 5 de abril, mas é possível entrar na nossa pauta de discussão.
Tem um ponto que é muito sensível. Imagina o psicológico das pessoas na área de saúde? Tem os pais, os filhos. Acha que todo mundo está tranquilo para uma empreitada dessas? E dependendo do quadro não podemos perder essa força de trabalho. E se não tivermos o aparato e começarmos a perder, como vamos fazer? O problema mais grave é a pessoa achar que é H1N1, não tem nada a ver.
Não tem nada a ver com H1N1?
Nada a ver. A maneira como o coronavírus atingiu é completamente diferente. Temos uma total incapacidade, porque ele não só matou as pessoas, mas quebrou a estrutura de fornecimento de insumos. Para se ter uma ideia, em Anápolis (GO), temos o segundo maior pólo de produção de medicamentos do país. As substâncias são adquiridas da Índia e da China. Com o fechamento dos dois países, não sei como o mercado vai achar condições de continuar produzindo. E isso é remédio para diabetes, doenças cardiorrespiratórias, degenerativas.
Já está faltando?
A Índia é grande fornecedora e entrou em lockdown completo. As coisas vão afetando a engrenagem, esse é o problema. Por isso é bobagem dizer que foi como enfrentamos o H1N1. Simplificar e querer comparar com uma gripezinha foi uma falha e se nós não tirarmos isso da discussão política e não trouxermos para a arena científica e técnica, será muito ruim. Como o Mandetta agora parece ter dado um rumo, tudo bem.
O ministro Mandetta voltou a defender de forma dura o isolamento. Como avalia o vai-vem do ministério?
Ontem [sábado (28)] ele foi brilhante, pontuou cada item e foi colocando o que se precisa neste momento. Não adianta a União, estados, municípios. Ou anda tudo junto ou entra em parafuso. Segundo, quais os protocolos e como devemos fazer a quarentena. É um critério técnico, não vou tomar um critério totalmente isolado se eu tenho uma norma do Ministério da Saúde e da OMS e eu posso me adequar. Até então, as decisões eram contraditadas. Então, teve que ter o momento em que ele teve que dizer ‘na área de Saúde, as coisas são essas’. Assim, foi definido ontem [sábado].
Agora, o Paulo Guedes precisa ver como fazer das ações deles efetivas. Porque agora que nós já declaramos a quarentena, nós já não temos mais esse tempo para o cidadão se alimentar. É um tempo mais curto e não podemos perder com discussão política e sem fundamentação científica.
Esta é a emergência? Está demorando?
Se me dizem que o aparelho vai chegar na semana que vem, eu vou aguentando com os meus. Mas como eu falo para o cidadão que a comida acabou, que ele aguarde? Essa é a urgência urgentíssima do momento. Se quisermos que as pessoas atendam a solicitação de ficar em casa, temos que dar condições para que elas fiquem em casa.
Agora, era a hora de todo mundo estar no trabalho para montar cestas básicas, para minimizar a falta de acesso das pessoas ao dinheiro. Aos poucos íamos deixando as pessoas tranquilas, dizendo ‘fiquem calmos, que temos estrutura montada e estamos chegando aí’. Agora, se não tomar essa providência, aí as pessoas vão quebrar tudo, mesmo.
Eu estou conseguindo montar boas cestas básicas por R$ 70, R$ 80. Mas não sei se daqui a alguns dias vai subir para R$ 150. Eu acho que era hora de atuarmos mais para montar essa estrutura. É o passo mais importante para não colapsar nossa estratégia da quarentena.
O presidente tem defendido que o Brasil não pode parar. O que acha da campanha?
Meu pensamento é claro, é de uma total insensatez para não dizer criminoso. Ontem [sábado (28)] aqui em Goiânia tinha uns 14 ou 15 em BMW, Land Rover… sem apoio nenhum, dizendo que precisa trabalhar.
O governo federal é capaz de reassumir a coordenação dos governadores?
Nessa hora é que tem que sair a figura do presidente da República político e entrar a postura do estadista, que tem que construir um ponto de concórdia na saúde pública. Não é a arena política que deve prevalecer, mas a política de saúde. Esse é o ponto que o presidente precisa mostrar.
Se ele tiver condição de fazer com que o maior número de brasileiros sobrevivam agora, eles terão condições de recuperar a economia amanhã. O momento agora é de sobrevivência. E para isso temos que garantir a segurança alimentar e, aos poucos, recuperar a economia.
Como avalia a atuação dos governadores?
Todo mundo já entendeu e agora fica mais fácil a conversa com o presidente. Os governadores vão se ajudar. Depois que atravessar, que terminar o coronavírus, aí continua a vida. Quem estiver contra ou a favor do presidente pode falar o que quiser. Eu me rebelei em nome das regras da saúde, das regras sanitárias, não conte comigo com essa tese de que é resfriado, gripezinha e vamos tomar cloroquina. Aqui não. Passou essa etapa, aí é a reconstrução. Mas não vamos chegar à reconstrução se não dermos sobrevivência aos brasileiros.
O presidente tem que fazer um gesto político aos governadores?
Ele tem que fazer um gesto à nação. Dizer que interpretou a vertente de segurar o emprego, o trabalho. Mas com a mesma humildade que tiveram os primeiros-ministros da Itália, da Holanda, da Inglaterra, que agora estão se ajoelhando, agora é a hora de dizer que as coisas caminham para um quadro mais preocupante e, como tal, dizer que as regras serão as do ministro da Saúde.
É hora da gente vestir o manto da humildade e da sabedoria. Humildade não é falta de coragem, coragem não precisa provar agora. O que temos que provar são gestos para tranquilizarmos milhões de pessoas. Nós estamos nas nossas casas, com as nossas famílias, podemos manter tranquilidade da nossa família. E os outros?
Não podemos achar que cada um que tem poder aquisitivo fica encastelado e que a população vai ficar aguardando o que se decide. Já tem vários estados em quarentena, ou vamos fazer o atendimento social rápido, urgente, emergencial, ou vamos dar motivação para população promover desobediência civil para se alimentar e sobreviver.