Casas muito pequenas inviabilizam isolamento
Foto: Léu Britto/DiCampana Foto Cole
O auxiliar de limpeza Alex Carlos dos Santos, 38, mora na favela Monte Azul, na zona sul da capital, em um cômodo com mais dez pessoas: sua esposa, nove filhos e uma neta.
Hoje, desempregado, sua renda vem da venda de balas e água em semáforos da região e serviços prestados na comunidade, como encanamentos e transporte de entulhos.
Com a TV ligada em casa, diz que sabe de todos os cuidados necessários para prevenir o coronavírus, mas que não está preparado para a doença nem para a prevenção. “Se alguém tiver o corona, como vou isolar? Minha casa é um cômodo só”, diz.
Itens de higiene como álcool em gel e máscara são algumas indicações dos profissionais de saúde para conter a evolução da Covid-19. Mas, para Alex, adquirir esses produtos também é um desafio.
“Não estou preparado. Sem condições de comprar essas coisas. Na real, eu nem sei o que fazer, entendeu? Na casa de rico tem tudo. Eles estão trancados com álcool em gel, máscara e comida. Se eu não sair de manhã, meus moleques não têm comida.”
Na mesma favela, a auxiliar de TI (Tecnologia da Informação) Miriam Beatriz Souza Vaughan, 25, também vive em uma casa pequena com a filha de cinco anos. “O isolamento está sendo um pouco difícil. Não estou seguindo à risca, como queria e deveria. Impossível ficar dentro de casa o tempo todo, ainda mais com uma criança”, relata.
Sua casa tem uma varanda, por onde circulam vizinhos, “já que as casas são juntas”. Uma preocupação dela é o convívio com outros moradores. “Eles têm contato com outras pessoas, seja no trabalho ou no transporte público”.
Ainda há cenas de normalidade em alguns bairros, como crianças brincando em parques em Guaianases, na zona leste. Por outro lado, algumas medidas restritivas já estão no dia a dia de alguns moradores.
Em Cidade Tiradentes, na zona leste da capital, o estagiário em publicidade Rafael Fernandes Bertoldo, 25, não sai de casa desde o dia 13, quando fez teste por suspeita de Covid-19, já que colegas de trabalho apresentaram sintomas. Por ordem médica, não receberá visitas nem fará atividades fora de casa até que saia o resultado, mas fica apreensivo com sua família.
Ele vive com o pai e a mãe, que têm 65 e 58 anos, respectivamente. “Eu não consigo ficar longe deles, não ir nos mesmos cômodos”, diz. “Meu temor é passar alguma coisa que eu tenha para eles, que já têm problemas respiratórios.”
Em Itaquera, na zona leste, a auxiliar de cozinha Valdirene de Oliveira Cardoso, 46, faz parte da coordenação estadual do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Ela contabiliza 16 ocupações nas periferias, onde vivem cerca de 300 famílias, com média de cinco pessoas por casa.
Com a pandemia anunciada, a falta de possibilidade de praticar o isolamento social é uma preocupação. “Nas favelas e ocupações a distância não é possível. As ocupações são aglomerações de pessoas que dependem uma da outra para alimentação, transporte e demais cuidados”, resume.
Ela diz temer o vírus, mas salienta a dificuldade em seguir as orientações médicas por questões sociais. “As pessoas precisam trabalhar, são autônomas. O que a gente pode fazer é prevenir da melhor forma, procurar não sair de casa, mas é impossível porque a periferia precisa sobreviver”, diz Valdirene.
Segundo ela, boa parte da base do MTST nas periferias de São Paulo é composta por idosos, um dos grupos de risco. “A gente tem essa preocupação com eles, porque afinal de contas somos os responsáveis”, diz. Para tentar driblar os riscos, diz que eles realizarão tarefas que permitem que eles fiquem em casa.
Na quinta-feira (19), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ligada ao MPF (Ministério Público Federal), solicitou ao Ministério da Saúde informações sobre o planejamento de atendimento nas favelas e periferias das cidades brasileiras no combate ao coronavírus.
Sob o comando de Luiz Henrique Mandetta, a pasta recebeu prazo de cinco dias para responder às solicitações.
O documento pontua que as favelas e periferias nas cidades brasileiras possuem alta densidade populacional, casas muito próximas e limitações estruturais para garantir o isolamento adequado, conforme orientação das autoridades de saúde.
Em Carapicuíba, cidade da Grande São Paulo com 400 mil habitantes, moradores da comunidade Porto de Areia tiveram a iniciativa de pedir álcool em gel nas redes sociais.
“Estamos querendo não só pra gente, mas paras outras comunidades e pessoas que vivem nas ruas”, diz Cleide Faria Santos, 49, moradora e líder comunitária da região.
A busca por álcool em gel é uma preocupação em boa parte da Grande São Paulo. Nesta semana, correspondentes da Agência Mural fizeram um levantamento em 88 estabelecimentos das periferias da capital e da região metropolitana. Apenas 13 tinham o produto, que em alguns casos podiam custar mais de R$ 20.
Em meio à pandemia, Cleide diz que os moradores estão com as crianças em casa e aprenderam a fazer receitas caseiras de como fazer o álcool em gel, prática não recomendada pelo CFQ (Conselho Federal de Química).
“Eles [as autoridades] estão pedindo pra não sair pra rua. Mas até agora não recebemos nada [para se cuidar]. A alegação é que está tem falta”.
Do outro lado da região metropolitana, na Vila Progresso, em Santo André, o bibliotecário Carlos de Araújo Otelac, 38, diz que tem condições mínimas para manter o isolamento em casa, apesar de ela ser pequena. Por outro lado, afirma que há pessoas que mal têm habitação adequada e dependem do comércio, às vezes, irregular, para se sustentar.
“Acho que as medidas emergenciais de contenção ao vírus não têm preocupação com a população pobre e menos ainda com a miserável, mas vejo garantias para os trabalhadores de iniciativa privada poderem permanecer em suas casas, com salário e emprego.”