Exaltada por Bolsonaro, OCDE prega confinamento no Brasil
Foto: Reprodução
Um documento interno da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de países ao qual o Brasil pretende aderir, pede ao governo Jair Bolsonaro que “assuma firmemente a dianteira” no combate ao coronavírus e adote “medidas apropriadas de confinamento” para conter o avanço da pandemia em território brasileiro.
O documento preliminar, ainda reservado e ao qual o Valor teve acesso, faz parte de um panorama global em elaboração pela OCDE sobre as ações tomadas por cada país no enfrentamento à covid-19.
O trecho do relatório que fala sobre o Brasil foi distribuído antecipadamente a autoridades brasileiras, que reagiram com insatisfação e se mobilizam, agora, para alterar o texto que vai para o relatório final da organização, ainda a ser publicado, segundo o relato de duas fontes à reportagem.
Depois de fazer um resumo das iniciativas já adotadas no Brasil, o documento faz recomendações de políticas públicas na seguinte direção: “O governo central (federal) deveria assumir firmemente a dianteira no enfrentamento e contenção à covid-19 e tomar medidas apropriadas de confinamento, seguindo aquelas implementadas por administrações estaduais e municipais”, destaca.
Ontem, Bolsonaro saiu do Palácio da Alvorada, contrariando orientações do próprio Ministério da Saúde. O presidente passeou pelo comércio de Ceilândia e Taguatinga, duas cidades-satélites de Brasília, onde conversou com populares e questionou novamente a política de isolamento total seguida por outros países.
“A epidemia está se espalhando rapidamente e há sérias preocupações sobre a capacidade de leitos hospitalares em Unidades de Terapia Intensiva”, afirma um trecho do documento, lembrando que dois terços da população brasileira precisa recorrer ao sistema público de saúde.
Nas regiões Norte e Nordeste, afirma a OCDE, a capacidade das unidades de terapia intensiva está “apenas ligeiramente acima” de 1 leito por 10 mil habitantes – quando o índice em economias avançadas chega a 2,4.
“O governo central tem sido reticente em tomar medidas de ‘lock down’. Em contraste, administrações estaduais e municípios têm tomado medidas como fechamento de lojas, escolas e praias, além do cancelamento de eventos públicos”, acrescenta o documento.
Para que o isolamento seja possível no Brasil, a OCDE avalia que um gasto extra com programas de transferência de renda é “urgentemente” necessário, mas destaca a importância de combinar isso com medidas de consolidação fiscal no médio prazo, como a reforma administrativa e o fim de subsídios “ineficientes”, como forma de sinalizar aos investidores o compromisso do governo com as reformas macroeconômicas.
A OCDE avalia que a atual projeção do Ministério da Economia para o PIB em 2020 – crescimento de 0,02% – é otimista e faz um prognóstico “mais realista”, de queda de 2% “ou abaixo” disso, dependendo da duração e extensão da emergência sanitária.
No texto preliminar da organização, há, por outro lado, elogios a medidas como redução da lista de espera do programa Bolsa Família e ações emergenciais de transferência de renda, mas com um alerta de que “pode ser o caso de gastos adicionais nessa área para proteger aqueles com maior necessidade”.
“Períodos longos de confinamento podem deixar especialmente trabalhadores informais sem nenhuma fonte de renda, eventualmente levando-os a uma escolha terrível entre violar o confinamento em busca de trabalho ou sofrer com a falta de comida”, destaca o documento.
A ressalva feita pela OCDE é que o Brasil deve sinalizar, para os mercados, que o aumento de despesas será temporário – e não uma política permanente, como foi o caso na crise global de 2008-2009. “O Brasil deveria evitar a repetição dos erros tomados em resposta à crise global”, afirma o documento da OCDE.
É preciso lembrar, em todo caso, que o documento ainda é preliminar e sujeito a mudanças antes de sua divulgação. O Valor procurou a OCDE e o Itamaraty para comentar o assunto, mas ainda não obteve resposta.
No ano passado, o Brasil conseguiu apoio dos Estados Unidos para sua candidatura como integrante da organização, que é uma das prioridades da política externa de Bolsonaro. A OCDE é um “clube” de melhores práticas internacionais formado, principalmente, por países ricos.