Frágil, Bovespa é devastada por coronavírus
Foto: Nelson Almeida/AFP
A perspectiva de ganhos exponenciais em curto espaço de tempo mexe com a cabeça das pessoas. Faturar uma bolada sem muito esforço vira quase obsessão. Impulsionados pelos conselhos de corretoras, influenciadores digitais e grupos nas redes sociais que se popularizaram no Facebook, Instagram e WhatsApp, milhares de brasileiros resolveram se embrenhar no volátil mercado financeiro. Prova disso é que a base de pessoas físicas que embarcaram na bolsa de valores nos últimos dez anos triplicou. Só em 2019, quase 700 000 investidores novatos se inscreveram na B3, a Bolsa de São Paulo, que soma agora 1,6 milhão de CPFs cadastrados. No último ano, a valorização do Índice Bovespa foi de 31,58%, uma alta nunca vista anteriormente, atingindo 115 000 pontos — em janeiro, inclusive, o índice esteve muito próximo do patamar dos 120 000 pontos. Nada parecia ter o poder de arrefecer o então pujante mercado de ações brasileiro. Mas tudo mudou em 9 de março, quando as negociações na bolsa foram interrompidas diante de uma forte queda de mais de 10% no pregão. Nesse dia, fundos de investimentos foram varridos do mercado e novatos perderam muito dinheiro. E, pelo menos um deles, mais do que isso: a vida.
Desde que a crise econômica atrelada ao avanço da pandemia do novo coronavírus (a Covid-19) se agravou, o acionamento do circuit breaker, mecanismo que paralisa as negociações da bolsa, virou rotina. Mas no dia da primeira interrupção, muito antes de se confirmar a primeira morte pelo vírus no país, um negociador de ações de meia-idade não suportou ver suas economias de praticamente toda a vida sucumbir. Trata-se de um investidor paulistano, cujo nome não será revelado a pedido de familiares, que operava alavancado, ou seja, com dinheiro emprestado. Ele perdeu cerca de 100 000 reais e sofreu uma parada cardíaca fulminante.
Não foi, obviamente, o único caso de quem viu evaporar tudo o que tinha na derrocada da bolsa, que fechou na quarta-feira 18 aos 66 895 pontos, 44% abaixo da máxima de 23 de janeiro. As empresas listadas na B3 perderam, apenas em 2020, 1,8 trilhão de reais em valor de mercado. No início de fevereiro, quando o impacto da pandemia na bolsa ainda era limitado, o investidor paranaense Acir Almeida também quebrou. Contra a vontade de sua família, ele empenhou suas economias — cerca de 250 000 reais — no mercado acionário. Chegou a se desfazer de um carro para se manter no páreo. Não teve jeito. “Fazia uns quatro anos que eu trabalhava ganhando e perdendo. Mas há um mês deixei de operar, porque o meu dinheiro realmente virou pó”, conta. Desiludido, ligou para o amigo Willy Heine, CEO da corretora W7, e admitiu que chegou a pensar em suicídio. “Tenho de dar um tempo e refazer a minha estrutura econômica para voltar a investir”, diz.
Heine, de 50 anos, além de dono de uma corretora, é escritor e tem um canal com 2 300 seguidores no YouTube, por onde aconselha outros traders. Operador desde 2012, diz que já sentiu na pele as dores de ver seu dinheiro derreter. “Algumas corretoras falam que com 50 reais você consegue operar na bolsa. Isso ilude e faz com que as pessoas percam todo o dinheiro em minutos.”
Especular no mercado financeiro é tarefa para poucos. Até mesmo investidores com anos de experiência não estão ilesos de ver seus recursos virar pó. É o caso do carioca Flávio Calp Gondim, gestor e único cotista do fundo Ponta Sul, que teve mais de 5 bilhões de reais incinerados na derrocada do Ibovespa. Ex-funcionário do banco BTG Pactual, Gondim é conhecido como “Monstro do Leblon”, por seu estilo voraz. Com a perda apoteótica, seu fundo foi cuspido do mercado. E o Ponta Sul, que detém 15% das ações do Banco Inter, não foi o único fundo renomado a sofrer. Um dos que tiveram pior performance, com uma queda de mais de 50% ao mês, pertencia à Alaska, gestora de Henrique Bredda, estrela do mercado financeiro. Como dizia Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes — e, às vezes, nem para os experientes.