Mulheres apoiam distribuição de absorventes

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Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Alvo de discussões acaloradas nos últimos dias, o projeto de lei que prevê distribuição gratuita de absorventes higiênicos em locais públicos ganhou o apoio de deputadas e senadoras de diferentes partidos. A proposta foi apresentada pela deputada Tabata Amaral (PDT-SP) às vésperas do Dia Internacional da Mulher, sob a justificativa de dar mais dignidade a mulheres pobres sem acesso ao produto, mas acabou despertando reações contrárias até mesmo de integrantes do governo, como o ministro da Educação, Abraham Weintraub.

O tema é tabu, mas as discussões em tempos de polarização política uniram de representantes que vão do PCdoB ao MDB. “Não estamos falando só de absorvente, estamos falando de saúde da mulher”, disse a primeira-secretária da Câmara, Soraya Santos (PL-RJ).

A proposta prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos em espaços públicos. Os custos ficariam a cargo do governo. Essa é uma das razões para as fortes críticas disparadas por alguns grupos nas redes sociais. A iniciativa, no entanto, tem apoio não só da bancada feminina do Congresso, mas também de profissionais de saúde e educação.

Soraya avaliou que a pauta deve mobilizar a bancada das mulheres, que hoje tem 76 deputadas no exercício do mandato – a maior na história da Câmara. “Devemos discutir isso mais para frente”, disse a deputada.

Na justificativa do projeto, Tabata afirma que algumas propostas já pretendiam estabelecer a distribuição gratuita dos absorventes em escolas públicas e unidades básicas de saúde, mas o objetivo do novo texto é expandir esse alcance. A ideia, segundo ela, é que o material contemple mulheres de baixa renda e esteja à disposição também em presídios.

Tabata estima um custo aproximado de R$ 440 milhões ao ano, a depender da regulamentação. A proposta deixa a cargo do governo os critérios de quantidade, tipo de absorventes a serem disponibilizados e locais de distribuição.

Quem defende o projeto explica que a iniciativa pode contribuir para queda da evasão escolar, das ausências no trabalho e até de problemas de saúde femininos. Sem dinheiro para comprar absorventes, mulheres de baixa renda acabam ficando em casa no período da menstruação, que pode variar de dois a sete dias, atrapalhando atividades rotineiras.

“Tem muita gente que fala: mas um pacote de absorvente custa só R$ 5. Um litro de leite também. E muita gente tem que escolher entre um e outro. O projeto abre essa discussão que hoje é invisível. E isso já é muito positivo”

A proposta tem apoio também no Senado. “A mulher mais carente, que não tem condições, utiliza-se de outros artifícios para resolver um problema da natureza humana”, disse a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, Simone Tebet (MDB-MS). “É óbvio que isso tem um impacto financeiro que precisa ser analisado, mas a princípio, com regramentos e objetivos específicos, tem sim o meu apoio.”

Nas redes sociais, por sua vez, usuários – em sua maioria, homens – proferem xingamentos e questionam as prioridades de Tabata, sob o argumento de ser um gasto desnecessário para o governo. O ministro da Educação também entrou na discussão. “A nova esquerda (colar de pérolas e financiada por monopolistas) quer gastar R$ 5 bilhões (elevando impostos) para fornecer ‘gratuitamente’ absorventes femininos. Como será o nome da nova estatal? CHICOBRÁS? MenstruaBR?”, escreveu em seu perfil no Twitter.

Para Tabata, a reação é fruto do preconceito contra a agenda feminina. “Enfrentei a Previdência, Weintraub (ministro da Educação) e Olavo de Carvalho, mas nunca fui tão xingada”, afirmou a autora da proposta. “Pautas femininas são invisíveis e ainda um grande tabu na sociedade.”

O economista Pedro Nery foi um dos que reagiram à onda de críticas ao projeto nas redes. Segundo ele, diferentes pesquisas e estudos têm identificado efeitos positivos da distribuição gratuita de absorventes sobre o desempenho escolar de meninas, alguns deles significativos. Um artigo científico compartilhado por ele mostra que a frequência escolar em Uganda aumentou 17% entre jovens que passaram a receber absorventes gratuitos.

“Acho que abre um debate importante sobre o acesso de meninas pobres à educação e de mulheres pobres ao mercado trabalho. Observou-se alguma evidência favorável em países como Gana e Uganda, que são tão pobres quanto os pobres brasileiros”, afirma Nery. Segundo ele, a vantagem do projeto é que a regulamentação poderá ajudar a delimitar um gasto que caiba no Orçamento.

A diretora escolar Edicleia Pereira Dias acompanhou de perto o impacto da chamada “pobreza menstrual” e os resultados de iniciativas para combatê-la. Ela coordena 250 estudantes de 10 a 17 anos na escola municipal Cosme de Farias, no bairro do Phoc I, na periferia de Camaçari, na Bahia. Em 2015, um ano após ter assumido a função, notou uma grande evasão de meninas. “Elas não falavam, davam desculpas, mas percebi que as faltas coincidiam com um ciclo menstrual e comecei a perguntar de forma discreta para elas”, diz.

Dias descobriu que muitas alunas deixavam de frequentar as aulas no período menstrual por não terem condições de comprar absorvente. “Algumas usavam materiais alternativos como panos e papel higiênico, mas ficavam inseguras”, afirma. A diretora começou então a montar um “banco de absorventes” a partir de doações de funcionários da própria escola. Desde então, ela estima que a evasão das alunas caiu em 70%. “Homem não vivencia isso, não menstrua e não sabe o que é. Muita gente também não sabe o que é a pobreza”, afirma. “Vi gente dizendo que se déssemos absorventes, as meninas iriam vender. Eles não sabem o que é o rosto de alívio delas quando recebem um pacotinho para usar no mês.”

Estadão