Paraíba vai multar quem divulgar fake news sobre pandemia

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Foto: Francisco França / Governo da Paraíba

O governador da Paraíba João Azevêdo (Cidadania) sancionou na terça-feira, 25, lei que multa em até R$ 10 mil quem compartilhar ‘notícias falsas’ sobre o novo coronavírus ou qualquer outra pandemia no Estado. A medida deriva de projeto do deputado estadual Wilson Filho (PTB), e é criticada por especialistas por abrir brechas à liberdade de expressão.

A medida estabelece pagamento de 20 a 200 Unidades Fiscais de Referência (UFR) a quem divulgar ‘fake news’ sobre epidemias e pandemias. Em valores atualizados, cada UFR na Paraíba vale R$ 51. Ou seja, a multa vai de R$ 1 mil a R$ 10 mil. O valor será revertido em apoio ao tratamento de doenças.

De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, a lei é vaga e abre brechas para violações de liberdade de expressão e de imprensa.

Segundo Marcelo Träsel, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a legislação não define o que seria uma ‘notícia falsa’ nem como será caracterizado o dolo em divulgá-la.

“A maioria das pessoas divulga boatos e desinformação acreditando serem verdadeiros. Ou seja, a maior parte da desinformação não é dolosa, é culposa”, afirma. “De maneira geral, esse tipo de lei tende a gerar mais problemas do que soluções e coloca em risco a liberdade de expressão e de imprensa, pois o fato de o conceito de ‘notícia falsa’ ser vago permite enquadrar qualquer conteúdo do qual se discorde como desinformação”.

A advogada Tais Gasparian, especializada em questões relacionadas à imprensa e à liberdade de expressão, afirma que é até positivo que a lei tenha tido o cuidado em especificar que a punição seria para quem divulgar ‘fake news’ dolosamente, mas falha em especificar o que seria ‘notícia falsa’.

“Ainda que o motivo seja nobre, a publicação dessa lei sem essa definição causa estranhamento pois não se sabe o que pode vir daí”, afirma Gasparian, que critica o fato da medida ter sido aprovada especificamente sobre pandemias, excluindo outros temas. “Se quiserem legislar sobre isso, deveriam chamar uma audiência pública, definir o que é ‘notícia falsa’, ouvir especialistas”.

Em justificativa levada à Assembleia Legislativa do Estado, o deputado Wlson Filho afirma que liberdade de expressão e de imprensa ‘não são absolutos e devem ceder sempre que se verificar abuso’.

“Nossa preocupação não é com os profissionais de imprensa, mas com pessoas que, muitas vezes sob anonimato e com interesses escusos, divulgam informações sabidamente falsas, especialmente em meio digital e nas redes sociais, gerando instabilidade, danos morais, patrimoniais e até mesmo a morte em casos mais graves”, afirmou o deputado, em justificativa.

Procurado pela reportagem, o gabinete do deputado Wilson Filho não se manifestou. O governo da Paraíba afirmou que a lei ‘em nada atinge os órgãos de imprensa’.

A legislação estadual da Paraíba não é a primeira medida adotada para criminalizar o compartilhamento de peças de desinformação. Em agosto do ano passado, o Congresso Nacional derrubou veto imposto pelo presidente Jair Bolsonaro e instituiu pena de dois a oito anos de prisão a quem, sabendo da inocência do denunciado, ‘divulga ou propala’ por qualquer meio uma informação falsa com objetivo eleitoral.

O trecho está inscrito em lei sobre conduta de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, e deve valer para as eleições municipais deste ano.

À época, entidades civis criticaram a medida por considerá-la um risco à liberdade de imprensa por se utilizar de um conceito vago, sobre o qual não há consenso, para punir pessoas. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a medida pode dar margem a detentores de poder classificar como ‘fake news’ qualquer conteúdo que considerem negativos ou incômodos para suas campanhas políticas.

Estadão