PGR refuta acusações de submissão a Bolsonaro
Foto: Jorge William / Agência O Globo
Cobrado por partidos políticos e por seus próprios pares a se posicionar sobre as ações do presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou em entrevista exclusiva ao GLOBO que é “extremamente injusta” a crítica de que tem sido omisso em meio à crise do coronavírus. Indicado por Bolsonaro ao cargo, Aras afirmou que as manifestações do presidente estão resguardadas pela liberdade de expressão e pela imunidade do seu cargo. Mas disse que poderá recorrer à Justiça se o presidente “vier a baixar um decreto contrariando a orientação da horizontalidade”, em referência ao isolamento recomendado pelo Ministério da Saúde.
O senhor tem sido alvo de acusações de omissão em relação à postura do presidente, que tem contrariado as orientações das autoridades médicas. Como vê essa crítica?
É uma imputação extremamente injusta em razão de tudo que nós temos feito. Não há na história do país quem tenha aplicado uma multa de R$ 800 milhões e ainda condenado um empresário a pena de reclusão de 4 anos (referência à delação do empresário Eike Batista). Não há na história do Brasil nenhum membro na história do Ministério Público que, sem dispensar empresários da prisão, tenha arrecadado R$ 2,5 bilhões e está caminhando para mais R$ 2,5 bilhões, um total de R$ 5 bilhões para contribuir no esforço do combate à Covid-19. Não há quem tenha mobilizado um gabinete de integração contemplando a todos os membros do MPF igualitariamente para apoiá-los no enfrentamento ao Covid-19. Não há em nenhum momento de minha parte nada que seja de omissão. Pelo contrário, trabalho junto com todos os colegas aqui de 10 a 12 horas por dia. Não vou me submeter à partidarização. Eu me manterei fiel à Constituição e às leis. Se alguém quiser me imputar de alguma falha, aponte a norma que eu esteja violando. Essa gestão é igualitária como manda a Constituição, não é para favorecer o partido A, B ou C, não é para fazer escândalo, criminalizando a política e destruindo a economia.
No domingo, o presidente Jair Bolsonaro saiu para visitar feiras populares e teve contato direto com muitas pessoas. O senhor avalia que houve descumprimento legal na ação do presidente?
Vivemos um estado democrático de direito. No Brasil, não foi necessário ainda estabelecer toque de recolher e eu espero que isso não venha a ocorrer. Dessa forma, a mobilidade do presidente, como de qualquer cidadão, está no campo de uma certa vontade de cada um. O presidente tem a sua forma de pensar e não me cabe criticá-lo, mas tão-somente dizer que, do ponto de vista jurídico, a visita do presidente e a sua mobilidade não infringe por enquanto nenhuma lei, nenhuma norma que possa ensejar ao MPF nenhuma atitude.
Mesmo que não esteja infringindo alguma norma, a representatividade dele é muito importante. A partir do momento em que ele vai às ruas e faz apelo para as pessoas voltarem a trabalhar, ele está contrariando o próprio ministro da Saúde. Como o senhor se posiciona nessa situação?
É preciso que nós separemos o Estado brasileiro e o governo. O Estado está funcionando normalmente, basta que você visite o gabinete de crise e vai ver que o Brasil tem profissionais de todas áreas, empenhados 24 horas por dia, de todos os órgãos, no enfrentamento ao Covid-19. É preciso distinguir a figura do presidente da figura do Estado. O Estado está funcionando normalmente e o governo, leia-se o presidente da República, tem liberdade de expressão e goza de certas imunidades. Agora, se o presidente vier a baixar um decreto, qualquer que seja, contrariando a orientação da horizontalidade, estabelecendo a verticalidade ou não, tudo isso é passível, sim, de apreciação judicial. E sendo passível de apreciação judicial, não somente os legitimados poderão recorrer à via judicial, como o próprio Ministério Público.
Mas afinal o senhor é a favor do isolamento vertical ou do isolamento horizontal?
Eu não sou médico, não sou infectologista. Na contemporaneidade, existem algumas formas de enfrentamento de epidemias. Uma delas é a centralidade dos órgãos de Estado, para que não se permita que a desordem converta um desastre natural no caos social. Sobre a verticalidade ou a horizontalidade do isolamento, este é um assunto a ser tratado pelos órgãos do Estado competente, e é o ministro Mandetta o diretor dessa política, que é uma política do Estado. Não é questão de ser contra a favor, a questão é que nós temos uma orientação técnica, que cabe ao ministro da Saúde.
Estamos em estado de calamidade pública. O senhor acha que é possível implantar um estado de sítio?
Está de bom tamanho a calamidade. A calamidade é um ato formal que tem amparo na realidade factual, não há nada de simbolismo, é realidade pura. Precisamos que as pessoas entendam a situação factual, não é brincadeira. É algo que atenta contra a vida de milhares. Eventual avanço para o estado de sítio não me parece pensável, cogitável neste momento porque o estado de sítio envolve comoções sociais.