5,7 milhões de brasileiros podem virar miseráveis
Foto: Marcelo Camargo/ABr
Com o período de confinamento afetando emprego e renda, o novo coronavírus poderá empurrar mais 5,7 milhões de brasileiros para a pobreza extrema caso o governo não consiga efetivamente ampliar seus programas sociais e apoiar as empresas a manter empregos.
Isso representaria uma impressionante elevação de 60% na pobreza extrema no país, para 15 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 per capita por dia, segundo cálculos do Banco Mundial obtidos pelo Valor. Essa é a linha de pobreza usada para países de renda média como o Brasil.
Dessa forma, a taxa de pobreza extrema (proporção em relação ao total da população) cresceria de 4,4% em 2019 para 7% ainda neste ano.
O Banco Mundial também estimou o potencial aumento de uma linha de pobreza mais “branda”, de US$ 5,50 per capita por dia. Por esse recorte, a taxa cresceria de 19,5% em 2019 para 22,4% ou 6,2 milhões de brasileiros em 2020.
Francisco Ferreira, pesquisador sênior e coordenador do Programa de Pesquisa em Pobreza e Desigualdade do Banco Mundial, diz que os cálculos estão baseados no cenário de queda de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, atual projeção da entidade para o Brasil.
“Não se pode menosprezar o tamanho do desafio. Uma queda de produto e renda de 5% obviamente é um choque colossal, principalmente porque não tínhamos sequer recuperado o que perdemos em 2015-16”, disse Ferreira, economista que fica sediado em Washington.
Ele explica que esse impacto econômico da crise do novo coronavírus afeta mais o trabalhador informal, principalmente no setor de serviços. Sem trabalho e sem receber seguro-desemprego, esse trabalhador e sua família estão numa situação de altíssimo risco, afirma o economista.
“Sem uma resposta de política pública, que felizmente aconteceu, teria muito mais gente passando fome mesmo. Não tenho a menor dúvida que a pandemia contribui para um aumento da desigualdade de renda, no Brasil e no mundo. A questão é quanto tempo esse aumento vai durar”, diz Ferreira.
O governo anunciou pagamento de R$ 600 para trabalhadores sem emprego formal com renda per capita de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou familiar de até três salários mínimos (R$ 3.135,00). Segundo a Caixa, foram pagos R$ 3,2 bilhões a 4,9 milhões de pessoas até o dia 15.
Além disso, o governo anunciou medidas para evitar perdas de empregos com carteira de trabalho assinada, como a redução da jornada de trabalho, com redução de salário de até 70%. O segundo-desemprego vai recompor parte da redução dos salários de trabalhadores.
Ferreira destaca a importância do capacidade institucional de política social desenvolvida a partir da implantação do programa Bolsa Família e da criação do Cadastro Único de programas sociais, há 18 anos. Sem isso, seria impossível, ele diz, fazer a renda chegar rapidamente às pessoas mais pobres.
“Felizmente, o governo reagiu de várias maneiras, inclusive com o fim da fila de espera do Bolsa Família e a renda básica de R$600 por mês. Se efetivamente distribuída, essa transferência pode ser muito eficaz no combate a esse aumento de pobreza, podendo até neutralizá-lo”, afirma.
A rápida operacionalização dessas políticas, porém, é um grande desafio. Cuidadora de idosos, Mayara da Silva Fernandes, moradora do Complexo do Lins, favela na zona norte do Rio de Janeiro, aguarda há mais de duas semanas a aprovação de seu nome pela Caixa para receber o benefício de R$ 600.
“Estou sem renda do trabalho de cuidar de idosos. Meu marido vendia mini pizza nas ruas do Rio e está também sem renda. Temos uma filha de 11 anos. Estamos sem nada. Pegamos um cesta básica na comunidade. Estamos agora pela misericórdia”, disse ela.
Além do aumento da pobreza, a crise econômica provocada pelas medidas de enfrentamento ao vírus deve aumentar a desigualdade de renda no Brasil – assim como no restante do mundo. Ferreira diz que a doença afeta de forma desigual a parcela mais pobre e mais rica da população.
“Há quem chame as pestes europeias da Idade Média de ‘grandes niveladoras’ já que, supostamente, matavam reis e camponeses indiscriminadamente. Não sei se era verdade naquela época, mas infelizmente sabemos que não é verdade no caso do novo coronavírus”, afirma o pesquisador.
Ele explica que o trabalhador mais qualificado – em geral mais rico – tem mais condições de usar o trabalho remoto para continuar empregado e com renda, apesar da paralisação da economia. Além de ter maiores reservas financeiras para atravessar períodos ruins.
Para ele, a crise do novo coronavírus tornou muito clara a necessidade de um programa voltado para o risco de renda e trabalho do trabalhador informal e de conta própria, como o microempreendedor individual (MEI). São trabalhadores sem a proteção e benefício do emprego formal.