Cúpula do Exército nega golpe, mas só em off
Foto: Reprodução/Jornal de Brasília
Conversei com dois generais do alto escalão do governo. Ambos pediram para não serem citados. É um problema. As Forças Armadas precisam dizer claramente o que pensam. O silêncio é perigoso, pode ser interpretado como aquiescência, como aprovação ao que foi dito.
Em off, um general me disse que “não existe solução política fora da Constituição Federal, simples assim.” Para ele, o “estado democrático de direito é o pilar para a minha geração” e que não há a mínima possibilidade de aventuras golpistas. “O presidente sabe disso”, contou o general, para quem o presidente não atacou a democracia no domingo. Ele acha que o ruim foi o local do discurso, à frente do “Quartel-General do Exército.
A posição do outro general é que Bolsonaro é um ex-militar que tem uma carreira política. Ou seja, que não está mais na ativa. A fonte explica que as Forças Armadas são contra qualquer tipo de “aventura”. Foi essa a palavra usada. A questão é que Bolsonaro não é apenas um ex-militar. Ele é o presidente da República, não é mais um deputado. Ao participar de um ato que ataca outros poderes, ele dá um caráter oficial à manifestação. Bolsonaro foi além de todos os limites aceitáveis.
Nesta manhã o presidente Jair Bolsonaro tentou apagar o que disse na véspera. É o que ele faz com frequência, radicaliza e depois muda o tom.
Na saída do Palácio da Alvorada, uma pessoa sugeriu fechar outros poderes. “Não tem que fechar nada, dá licença aí. Aqui é democracia, aqui é respeito à Constituição brasileira. E aqui é a minha casa e a tua casa, peço por favor que não fale isso aqui.” Alí não, mas na frente do Exército pode? Bolsonaro entra em contradição até quando tenta se explicar.
A atitude do presidente é inconcebível e inaceitável. Não se pode aceitar que ele compareça a um ato que ataca as instituições democráticas, como o Congresso e o STF, na frente do Quartel-General do Exército. Jair Bolsonaro, ao participar da manifestação, avalizou o que os manifestantes defendiam. O Ato Institucional número 5, o momento mais danoso da ditadura, foi lembrado em cartazes e faixas.
A reação das instituições foi previsível. Mas a atuação delas precisa ser mais forte, ir além das notas de repúdio em redes sociais. O presidente não pode ter esse tipo de comportamento, que ameaça a democracia brasileira.
A economia sofre ainda mais quando os sinais são de insegurança institucional. O capital de longo prazo voltará a buscar investimentos depois da pandemia. Se pairar dúvidas sobre as forças das instituições em conter um presidente com ímpetos autoritários, isso vai se refletir na redução da confiança e do investimento no país.
Poucos líderes têm comportamento semelhante ao de Bolsonaro durante essa pandemia, que defende o relaxamento das medidas de isolamento social. Aqui na América Latina, só o ditador Daniel Ortega, da Nicarágua, despreza os riscos da Covid-19. Fora da região, apenas dois outros adotaram essa postura, e eles também têm líderes autoritários.
Isso nos coloca em um grupo pequeno de países que recebem olhares desconfiados dos investidores, que serão tão necessários para o Brasil depois da pandemia.