De saída, Mandetta diz que seu único caminho é a ciência
Foto: Reprodução
Em uma entrevista coletiva em tom de despedida, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou nesta quarta-feira (15), ao lado de sua equipe, que há um descompasso em relação ao que defende o presidente Jair Bolsonaro e voltou a afirmar ter apenas o caminho da ciência a oferecer.
Na fala, realizada no Palácio do Planalto, ele disse que sua equipe entrou unida e sairá unida, frisando desejar que quem quer que o substitua não se afaste do caminho da ciência.
Ao seu lado, estavam o secretário de vigilância em saúde, Wanderson Oliveira, cujo pedido de demissão isolado foi rejeitado pelo ministro, e o secretário-executivo, João Gabbardo.
“Estamos aqui eu, Wanderson e Gabbardo. Entramos juntos, estamos juntos e sairemos do ministério juntos”, disse Mandetta.
O ministro reforçou que não cogita neste momento pedir demissão de seu cargo, mas deixou claro que a sua saída já está definida por Bolsonaro, afirmando, inclusive, que sondados para a sua vaga lhe fizeram consultas por telefone.
Mandetta repetiu o discurso das três hipóteses que podem afastá-lo do ministério, entre elas a demissão. “Uma quando o presidente não quiser mais o meu trabalho. O segundo é, imagine, que eu pegue uma gripe dessa e tenha que ser afastado. E a terceira quando eu sentir que o trabalho feito já não é mais necessário porque de alguma maneira passamos por esse estresse.”
“Todas essas alternativas continuam e são válidas. Claramente há um descompasso entre o Ministério da Saúde, e isso daí a gente colocou, e deixa muito claro que a gente vai trabalhar até 100% do limite das nossas possibilidades”, completou.
O ministro passa por um processo de fritura pelo presidente Jair Bolsonaro e avisou aliados que deve ser demitido no posto. Ele não disse na coletiva, no entanto, quando seu desligamento ocorrerá.
Wanderson chegou a pedir demissão nesta quarta, mas Mandetta não aceitou. Já Gabbardo era um dos nomes especulados como um possível substituto “tampão” para a chefia do ministério.
Mandetta se referiu ao pedido de demissão de seu auxiliar. “[Wanderson] mandou lá: ‘Eu ia sair’. Eu [disse] não aceito. Estamos aqui tudo junto e misturado ainda. Mais um pouco.”
Gabbardo, por sua vez, confirmou que pretende deixar a secretaria-executiva do ministério quando Mandetta sair da Esplanada. Ele ressaltou que aceitaria participar de um processo de transição entre uma equipe e outra.
“Eu tenho compromisso com o ministro Mandetta. Ele me convidou, o dia que ele sair eu saio junto. Eu entrei no Ministério da Saúde muito jovem, em 1981. Ano que vem completo 40 anos de ministério e eu não vou jogar no lixo esse meu patrimônio”, afirmou Gabbardo.
Horas após a entrevista, Gabbardo demonstrou preocupação a aliados de que sua frase fosse interpretada como um sinal de que ele não estaria disposto a assumir um cargo na gestão de Bolsonaro. Segundo eles, o secretário pretendia dizer que estava sim a postos do Planalto.
Já Mandetta, em entrevista à revista Veja publicada na noite desta quarta-feira, afirmou que fica “até encontrarem uma pessoa para assumir meu lugar”.
O ministro afirmou que está “há 60 dias nessa batalha” e que “isso cansa”. Questionado sobre o que seriam esses 60 dias, respondeu: “Sessenta dias tento de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante”.
Mandetta conduziu a entrevista coletiva para ressaltar que tem respaldo da equipe técnica no Ministério da Saúde.
Nesse sentido, ele se referiu a seus subordinados na pasta como “família”.
“Sabe como escolhi minha equipe? Foi pelo currículo do que fez, depois foi olhando no olho. Hoje não é uma equipe, é uma família”, disse Mandetta.
Bolsonaro tem ignorado orientações sanitárias, sem demonstrar preocupação com a crise do coronavírus, e ao mesmo tempo pressiona governadores e prefeitos a abrandar a política de isolamento social.
Já Mandetta é crítico da aglomeração de pessoas e defensor do isolamento horizontal, em linha com a OMS (Organização Mundial da Saúde) para evitar o contágio do novo coronavírus.
Também na tarde desta quarta-feira Bolsonaro voltou a minimizar a gravidade da Covid-19, ao compartilhar em suas redes sociais uma tabela que mostra o Brasil com 7 mortes a cada 1 milhão de habitantes, atrás de países como Espanha, Itália e França.
Segundo antecipou a coluna Painel, da Folha, Mandetta avisou sua equipe na noite desta terça-feira (14) que Bolsonaro já procura um nome para o seu lugar. O ministro conversou com integrantes da pasta em clima de despedida e avisou que combinou de esperar a escolha do substituto.
Um dos médicos sugeridos ao presidente é Nelson Teich, que também é empresário. O oncologista terá um encontro com o presidente numa conversa marcada para a manhã desta quinta (16). Ele será o primeiro na lista de cotados para substituir Mandetta a ser recebido por Bolsonaro. O médico também deverá conversar com ministros palacianos nesta quinta.
Teich chegou a ser cotado durante a campanha presidencial, em 2018, para assumir a Saúde, e teve reuniões com Bolsonaro para tratar de suas propostas para a área.
Mandetta afirmou a interlocutores que cometeu um erro ao dar a entrevista ao Fantástico no último domingo (12), com uma série de críticas indiretas a Bolsonaro, e reconheceu que, diante disso, seu cargo está novamente ameaçado.
Depois de escapar na semana passada de uma demissão que muitos consideravam certa, o ministro foi avisado que sua saída do governo federal voltou a ser uma possibilidade nos próximos dias.
Além da visível perda de sustentação entre os militares, que consideraram o tom da entrevista um ato de insubordinação, Bolsonaro leva em conta que até mesmo alguns líderes do Congresso criticaram o tom adotado na entrevista do ministro.
A falta de fortes mobilizações nas redes sociais em defesa do titular da Saúde também foi lida pelo presidente como uma brecha para efetuar a demissão.
Na entrevista à TV Globo, Mandetta disse que a população não sabe se deve seguir as recomendações do Ministério da Saúde (favorável ao isolamento social) ou de Bolsonaro (crítico de medidas como o fechamento de comércios, por exemplo).
O titular da Saúde também criticou quem rompe as regras de distanciamento para ir à padaria, numa crítica a Bolsonaro —o presidente foi na semana passada a um estabelecimento do tipo em Brasília e consumiu alimentos no balcão.
Justamente essa insistência em bater de frente com Bolsonaro custou a Mandetta o apoio da ala militar no Palácio do Planalto.
A avaliação foi a de que o ministro desprezou o esforço do núcleo militar para que ele fosse mantido no cargo e está preocupado apenas com a sua imagem pública, em uma tentativa de se candidatar a governador de Mato Grosso do Sul em 2022 —Mandetta vinha dando seguidos sinais de enfrentamento ao presidente desde a ameaça de sua demissão na semana passada, sendo a entrevista o último deles.
O descontentamento do grupo fardado ficou evidente nesta terça-feira (14) com uma declaração do vice-presidente, general Hamilton Mourão. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Mourão afirmou que o ministro da Saúde cometeu uma falta grave na fala à TV Globo.
“Cruzou a linha da bola, não precisava ter dito determinadas coisas”, afirmou o vice. Mourão, no entanto, avaliou que o melhor seria o presidente não demitir o auxiliar neste momento.
Durante a segunda-feira, Mandetta conversou com aliados. Justificou que decidiu dar a entrevista porque ficou irritado com o comportamento de Bolsonaro no sábado (11), durante uma visita a obras de um hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás (GO).
Na ocasião, o mandatário mais uma vez ignorou orientações das autoridades sanitárias e promoveu aglomerações —o titular da Saúde acompanhou a cena de longe.
Os interlocutores que conversaram com o ministro na segunda disseram que ele reafirmou que não pediria demissão, mas reconheceu que estava numa situação de maior debilidade do que na semana passada.
relação entre Bolsonaro e Mandetta nunca foi próxima, sempre foi protocolar. O ministro foi indicado ao cargo pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), aliado de primeira hora do presidente, mas hoje rompido com ele por divergências na conduta de combate ao coronavírus.
Pela falta de afinidade com Mandetta, Bolsonaro chegou a cogitar a sua substituição em setembro do ano passado, mas desistiu ao constatar que ele tinha amplo apoio junto ao setor da saúde.
No início da pandemia do coronavírus, o presidente se queixou ao ministro de que ele deveria defender mais o governo e o repreendeu por ter participado de uma entrevista ao lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro.
Mandetta modulou sua retórica e passou a pregar a importância de a atividade econômica não parar. Ele, no entanto, não se dobrou à pressão do presidente contra a medida de isolamento social, o que iniciou o embate entre ambos.
A crise com Mandetta abalou Bolsonaro. Segundo assessores presidenciais, pela primeira vez desde que assumiu o cargo, o presidente receou estar perdendo capital político ao constatar que parte da base bolsonarista nas redes sociais apoia o ministro. Nas últimas semanas, Bolsonaro chegou a afirmar que falta humildade a Mandetta e que ele extrapolou.
No dia 6 de abril, um dia depois de ameaçar “usar a caneta” contra ministros que “viraram estrelas”, Bolsonaro foi questionado por Mandetta sobre o motivo pelo qual não o demitia. A pergunta surgiu em reunião de ministros; o presidente, segundo relatos, não respondeu. Ministros militares, em parte responsáveis por demover Bolsonaro da ideia de exonerar o titular da pasta da Saúde, tentaram contornar a situação. Mandetta também perguntou por que fora nomeado, já que o presidente não o ouvia
Após um dia inteiro de indefinição, na mesma segunda-feira (6), Mandetta anunciou que ficaria na pasta e mandou recados ao presidente. Defendeu insistentemente o respeito à ciência e citou o mito da caverna de Platão, uma alegoria sobre o conflito entre a ignorância e o conhecimento. Também apoiou as medidas dos governadores que se tornaram antagonistas do presidente na crise de saúde
No sábado (11), depois de Bolsonaro participar de aglomeração de apoiadores em Águas Lindas de Goiás, Mandetta, que também estava na cidade e observou a multidão à distância, criticou o presidente.
“Posso recomendar, não posso viver a vida das pessoas. Pessoas que fazem uma atitude dessas hoje daqui a pouco vão ser as mesmas que vão estar lamentando”
Em entrevista no domingo (12) ao Fantástico, da TV Globo, Mandetta disse que o brasileiro “não sabe se escuta o ministro da saúde, se escuta o presidente, quem é que ele escuta”. Ele defendeu que o governo federal tenha uma “fala única” sobre a pandemia para orientar a população