Delegados dizem que Bolsonaro “sangra” a PF
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), pegou a Polícia Federal de surpresa na manhã desta quarta-feira (29). A nomeação de Alexandre Ramagem já era dada como certa. Uma reunião com diretores e superintendentes na terça (28) tinha dado início ao novo ciclo.
Tanto integrantes da cúpula quanto membros da base da corporação já consideravam a escolha do sucessor de Maurício Valeixo um assunto encerrado.
Policiais passaram o dia articulando uma maneira de pressionar o presidente Jair Bolsonaro a tomar uma rápida decisão e não permitir que o órgão fique acéfalo diante da suspensão da nomeação de Ramagem.
Membros da direção tentaram contato com militares próximos ao presidente para ajudar no convencimento. Até o final da noite desta quarta, a expectativa era que a decisão seria por um nome que não agravasse mais a crise na PF.
Depois de afirmar que respeita o Poder Judiciário, Bolsonaro disse que a AGU (Advocacia-Geral da União) vai recorrer. “Quem manda sou eu e eu quero o Ramagem lá”, afirmou.
Antes da decisão de Moraes, as atenções estavam voltadas para a escolha dos novos diretores e de como o novo comandante faria para superar desconfianças internas e principalmente da opinião pública, por causa das acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
O ex-juiz afirmou ao anunciar sua demissão que Bolsonaro havia lhe informado que gostaria de realizar a troca na PF para que pudesse ter interferência política, “uma pessoa de contato pessoal, que pudesse ligar e colher relatórios de inteligência”, segundo suas palavras.
Nas contas de policiais, o órgão está há quase dez meses sangrando. A crise teve início em agosto do ano passado, quando Bolsonaro atropelou a direção da PF e decidiu trocar o superintendente do Rio de Janeiro.
A principal reclamação de delegados é que a situação de instabilidade atrapalha o andamento de trabalhos, paralisando também investigações.
Apesar de momentos de calmaria nos dez meses que se passaram desde a primeira turbulência, policiais relatam que a situação nunca pareceu de fato resolvida.
A passagem de ano chegou a trazer novo ânimo, mas logo em janeiro veio a segunda crise, dando mais sinais de que a relação de Moro e Bolsonaro estava enfraquecida e que seria difícil reatar.
Quando a pandemia do coronavírus começou, veio outro sinal de aparente tranquilidade, que de novo durou pouco.
O ex-ministro da Justiça voltou para a mira do presidente, entre outros motivos, por não se posicionar contra o isolamento social.
Nos bastidores, segundo revelou Moro, havia por parte de Bolsonaro principalmente a preocupação com inquéritos em andamento.
Com a decisão de Moraes, a Polícia Federal ficará temporariamente sob o comando de Disney Rosseti, número 2 da ainda atual gestão.
Em seu pronunciamento bombástico de despedida, Moro disse ter indicado a Bolsonaro o nome do delegado para substituir Maurício Valeixo no cargo de diretor-geral.
“Eu não permaneço. Tenho compromisso com a instituição, que não pode parar, até que se definam as coisas. Mas estou de saída”, disse Rosseti ao Painel nesta quarta. O diretor deve ser transferido para uma função em um tribunal, na área de segurança.
Na terça-feira, Ramagem acenou para alvos do presidente em sua primeira reunião como diretor-geral. O delegado fez nominalmente elogios aos superintendentes do Rio de Janeiro e de Pernambuco.
Sergio Moro disse em sua saída que o presidente queria substituí-los sem motivo e sem razão aceitáveis.
Ramagem também quis se posicionar em relação ao ex-ministro, fazendo menção positiva a dois delegados sabidamente ligados a Moro. O diretor pediu tranquilidade.
A transmissão do cargo foi elogiada, por ter contado com a participação de Valeixo. Eles trocaram homenagens no encontro.
O ex-diretor-geral lembrou na conversa que Ramagem chegou a quase fazer parte da sua gestão. Ele foi indicado para assumir a superintendência de Alagoas, mas desistiu quando foi convidado pelo presidente para assumir a Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Na PF, atribui-se outro momento ruim do ano passado à família Bolsonaro.
Em julho, o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou a suspensão de investigações criminais pelo país que usem dados detalhados de órgãos de controle (como Coaf e Receita Federal) sem autorização judicial, atendendo a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente da República.
A polêmica decisão que restringiu a utilização de relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) fez as atividades do órgão despencarem.
Centenas de inquéritos foram paralisados por causa da liminar, segundo informações da Polícia Federal.
Em agosto do ano passado, por exemplo, o órgão elaborou apenas 136 relatórios de inteligência financeira (os RIFs), caindo a índices que existiam em período anterior à Operação Lava Jato. Na média do primeiro semestre, eram 741 por mês.
Em inquérito sigiloso conduzido pelo STF, a PF identificou o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, como um dos articuladores de um esquema criminoso de fake news. Dentro da PF, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem de confiança de Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho. Para o presidente, tirar Valeixo da direção da PF poderia abrir caminho para obter informações da investigação do STF ou trocar o grupo de delegados do caso
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a abertura de inquérito para investigar os atos do dia 19 de março. O pedido foi feito por Augusto Aras. O objetivo é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira”. A investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos. Os nomes são mantidos em sigilo. Bolsonaro, que participou dos atos em Brasília, não será investigado, segundo interlocutores do procurador-geral. Eles alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizá-los, ele pode vir a ser alvo.
Em agosto do ano passado, Bolsonaro anunciou que trocaria a o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade. A corporação passava por momento delicado, após vir à tona o caso Fabrício Queiroz, policial aposentado e ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio. Ele é o pivô da investigação do Ministério Público que atingiu o senador, primogênito do presidente. A suspeita é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” –quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários aos deputados