Desempregados pelo vírus passam a vender comida
Foto: Ronny Santos
A vida não anda fácil para quem perdeu o emprego ou viu o negócio próprio emperrar durante a pandemia de coronavírus. Mas muita gente tem usado as panelas de casa para promover mudanças, dar a volta por cima e manter a renda. São pessoas que passaram a vender marmitas para segurar as pontas, seja no boca a boca ou por aplicativos.
A gerente de marketing Karina Martin Dal Bem, 39 anos, conta que a empresa onde trabalhava “mandou todo mundo embora” no início da pandemia. Foi então que no último mês decidiu participar de um aplicativo que vende comida caseira, preparada por donos e donas de casa. “Faço tudo com muito amor. Cozinho como se fosse mesmo para a minha família”, diz. “Trabalhar com alimentos é como uma terapia”, completa.
Acordar cedo, fazer compras, preparar as marmitas com produtos frescos e servir bem mantém a cabeça da gerente de marketing ocupada, além de ajudar a pagar as contas. Karina conta que é preciso estar atenta para não se entregar e dá uma dica para quem também perdeu o emprego. “Coisas novas vão surgir e, de repente, é aquilo que você precisa para ser feliz. Na rotina, você deixa de ver oportunidades”, afirma.
Ex-coordenador administrativo de uma empresa de auditoria, Felipe Battaglini, 40, se preparava para abrir uma loja de congelados quando foi surpreendido pela quarentena imposta pelo coronavírus. A solução foi transformar a cozinha de casa em um novo negócio, que não pretende mais abandonar. “Não tem mais volta. Eu sou marmiteiro”, afirma.
Em março, Battaglini passou a fazer marmitas e a atender, basicamente, 12 condomínios em Diadema (ABC). O grande sucesso é a feijoada, de R$ 20 a R$ 35, para uma ou duas pessoas, respectivamente. Aos sábados, chega a receber 60 pedidos. “Tirando as questões de saúde, não me preocupo mais.”
A cozinheira Maura Rosângela Souza de Oliveira, 57 anos, vai na contramão da crise e, durante a pandemia, tem vendido até 100 marmitas por dia. O motivo é que ela faz parte do programa de doação criado pelo aplicativo Eats For You. Empresas ou pessoas físicas compram as marmitas que são doadas para moradores de rua —já foram 7.000 nas últimas semanas.
Antes da quarentena, Maura vendia pelo aplicativo cerca de 25 marmitas diariamente. “Pensei: ‘com a parada, como vai ser?’ Mas surgiu a ação e seguimos”, afirma. “Concilio a parte financeira e espiritual, do prazer de cozinhar. Juntou a fome com a vontade de comer”, conta a cozinheira.
O Eats for You é um aplicativo que tem vendido comida preparada por donos e donas de casa. Em dois anos, vendeu mais de 90 mil marmitas. Segundo o diretor-executivo Nelson Andreatta, gerou R$ 950 mil em renda formal para as famílias. “Em média, as pessoas têm conseguido de dois salários-mínimos líquidos por mês. Mas tem quem já fature de três a quatro salários-mínimos. Sem sair de casa.”
As marmitas estão salvando até mesmo pessoas que já trabalhavam com comida antes da crise provocada pelo novo coronavírus. É o caso da chef Carolina Mielli, 32 anos, que cozinhava diretamente
na casa das pessoas.
“Os pedidos por marmitas aumentaram. Faço mais do que qualquer outro trabalho. Mais do que pratos principais, do que cozinhar em domicílio. Está salvando a renda. A gente está sobrevivendo, porque é um período difícil”, conta Carolina.
A chef conta que suas marmitas são oferecidas em pacote com dez unidades. “Toda semana, eu mando sugestões de cardápio individual e também para duas pessoas. Cada sugestão é com dez marmitas e ofereço uma de brinde”, explica. “A galera vai para o trabalho e não quer sair para comer. Pedem para levar o almoço já de casa”, completa a chef.
Segundo Carolina, mesmo mudando o perfil das vendas, muitos clientes antigos continuam procurando a sua comida. “A minha sorte é que as minhas clientes não deixaram de pedir e estão me ajudando, me indicando. Mas não deixa de ter travado o negócio. Não dá para guardar uma grana e fazer planos.”
Tem marmita, mas também tem pastel. Formado em Rádio e TV, Érico Renan Machado Oestmann, 30 anos, estava trabalhando como motorista de aplicativo ultimamente. O movimento na rua caiu, a renda também e, há duas semanas, começou a vender pastéis em Diadema (ABC).
“O movimento de passageiros foi quase extinto e minha renda ficou negativa, pois não cobria nem para pagar o combustível. Já minha noiva recebeu a oportunidade de trabalhar em home office, porém o salário caiu drasticamente”, diz. A solução foi transformar a cozinha de casa em uma unidade de uma franquia de pastéis.
As vendas são feitas por Whatsapp, porque os aplicativos estão com uma demanda muito grande por novos cadastros.
Segundo o motorista, a procura por pastéis tem sido grande. “Já até pensamos em contratar uma pessoa para nos ajudar”, conta. “Não foi só uma boa fonte, mas, sim, se tornou nossa renda principal”, explica.