Estados e municípios gastam mais com pandemia que a União

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Foto: Reprodução/GGN

A queda de braço travada pelo presidente Jair Bolsonaro com governadores e prefeitos pela prerrogativa de definir as medidas necessárias para combater o novo coronavírus não encontra equilíbrio nas contas da saúde pública. A fatia assumida pelo governo federal no financiamento de ações do Sistema Único de Saúde (SUS) caiu de 2002 pra cá. No início da série histórica, a União arcava com 52% das contas, hoje paga 43%.

Apesar de na média nacional o governo federal ainda ser o maior patrocinador do sistema, o que se observa é uma crescente participação dos demais entes federativos. São 11 os Estados que já superam a União nas contas da saúde pública, de acordo com dados de 2017 do Ministério da Saúde. No Acre, por exemplo, a parcela estadual per capita é de 56%, enquanto a do governo federal fica em 30%.

Não por acaso, o governador Gladson Cameli (PP) ignorou os apelos de Bolsonaro, de quem é aliado político, para ir contra as determinações médicas e deixar o comércio aberto. Aconselhado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, determinou o isolamento social e afirmou que, entre salvar vidas e a economia, fez a sua escolha.

Cameli também é um dos 24 governadores signatários de uma carta enviada ao presidente no fim de março, cobrando de Bolsonaro a defesa do distanciamento social e a implementação de ações fiscais de socorro a Estados, como a suspensão do pagamento das dívidas com a União.

Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB) disse que a redução da participação federal levou o governo a ampliar para 18% da receita os investimentos na saúde, quando a Constituição estabelece 12%. “Tivemos de aumentar nosso orçamento em saúde para fazer frente a essa postura federal, que nem é de responsabilidade do governo de Jair Bolsonaro. Isso vem de anos já”, ressaltou.

Casagrande afirma que a covid-19 escancara essa diferença e deve levar a União a rever esses repasses. “Vão ter que aumentar sua parcela. Há Estados que não têm como financiar um sistema que bloqueie o vírus.”

O governo de São Paulo informou que tem pleiteado recorrentemente recursos ao Ministério da Saúde. Até o momento, o governo federal publicou duas portarias que destinam R$ 222 milhões ao SUS do Estado. Conforme o Palácio dos Bandeirantes, deste total, R$ 147 milhões foram repassados às prefeituras, incluindo R$ 28 milhões em insumos.

O governador João Doria (PSDB), que há semanas vem travando um embate com o presidente Bolsonaro por causa da condução da crise, afirmou ao Estado que irá ao Supremo Tribunal Federal se o governo federal “romper o pacto federativo e de respeito à proporcionalidade” na divisão de verbas.

O economista Rudi Rocha, da escola de administração da FGV-SP, ressalta que o aumento da participação de Estados e municípios ao longo da última década no bolo do SUS não significa que inexista escassez de recursos, pelo contrário.

“O subfinanciamento é crônico e vem de longa data. Frente à atual crise, nunca na história do SUS foi necessária tanta coordenação de ações e tanta rapidez na mobilização de recursos. As prerrogativas de quem manda no sistema deveriam ficar de lado. Como seu próprio nome diz, o sistema é único”, disse.

Em meio a esse cabo de guerra, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que é médico e até então aliado de Bolsonaro, rompeu com o Planalto e criticou declarações do presidente sobre medidas de combate ao vírus – como os questionamentos ao isolamento social da população e a defesa da reabertura do comércio para proteger a economia. Caiado foi um dos responsáveis pela indicação de Mandetta, ministro que está também no centro do embate de Bolsonaro com os governadores e que passou a ser alvo direto do presidente.

Na semana passada, a briga entre os chefes dos Executivos estaduais e Bolsonaro transcendeu o Palácio do Planalto. O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, afirmou que os “governadores e prefeitos impedem a atividade econômica e oferecem esmolas, com o dinheiro alheio, em troca”.

“Independentemente de quem paga a conta, a crise atual nos mostra como saúde custa caro e como ela é importante. Acho que este será um legado, e espero que a sociedade brasileira incorpore mais recursos e mais solidariedade ao SUS. Caso contrário, acredito que as tensões distributivas tenderão aumentar, em particular entre entes da Federação”, observou Rocha.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que, desde 2000, quando foi aprovada emenda constitucional que definiu um mínimo a ser aplicado por Estados (12% da receita) e municípios (15%), era natural que, a partir de então, de forma gradativa, fosse ampliada a parcela dos gastos dos demais entes da Federação.

“Contudo, em nenhum momento, o governo federal diminuiu a verba empregada em ações e serviços públicos de saúde. Em 2019, a participação da União (43% – R$ 122,2 bilhões) continuou representando maior porcentual de gastos em saúde do que o gasto pelos Estados (27% – R$ 75,8 bilhões) e o conjunto dos municípios (30% – R$ 84,8 bilhões). Para este ano, o orçamento atual do Ministério da Saúde em ações e serviços públicos de saúde é de R$ 135,9 bilhões, sendo R$ 10,8 bilhões superior ao orçamento de 2019”, diz o texto.

Estadão