Exército de cientistas da Unicamp contra pandemia
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Quando se preparavam para atuar na resposta ao novo coronavírus, pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) enviaram a professores e alunos de pós-graduação do Instituto de Biologia um formulário em busca de angariar voluntários para dividir as tarefas.
Um dos objetivos da entidade – a terceira maior universidade pública paulista – era usar seus laboratórios para fazer exames de detecção da covid-19 em pacientes da região de Campinas.
Em dois dias, mais de 400 pesquisadores se prontificaram a ajudar. A mobilização acabaria absorvendo membros de áreas tão diversas quanto epidemiologia, herpetologia, estatística e engenharia, que se uniram em uma força-tarefa contra a pandemia.
“Nunca vi tanta gente que nem se conhecia dar o máximo de si num projeto dessa dimensão”, diz à BBC News Brasil Marcelo Menossi, professor de Biologia Molecular de Plantas da Unicamp e membro de uma frente da força-tarefa voltada à arredação de recursos.
O caso ilustra o protagonismo que universidades públicas brasileiras vêm assumindo no enfrentamento da pandemia em várias partes do país e reforça a importância de investir na pesquisa nacional num momento em que nações limitam exportações de itens médicos para priorizar seus cidadãos, segundo acadêmicos entrevistados pela BBC News Brasil.
Menossi diz que, embora uma grande parte dos membros da força-tarefa não tenha experiência em doenças entre humanos, todos estão habituados a trabalhar em laboratórios e dominam conhecimentos que podem ser úteis ao avanço das pesquisas.
Ele exemplifica com seu próprio caso: “Na biologia molecular, várias das técnicas que usamos para estudar o genoma das plantas são exatamente as mesmas para descobrir se uma pessoa está contaminada com o vírus ou não”, diz.
Segundo ele, ter à mão um grupo tão grande de pesquisadores qualificados e motivados “vai nos ajudar a ter um impacto gigante não só em Campinas, mas em toda a região”.
A força-tarefa da Unicamp contra a Covid-19 se divide em dez equipes lideradas por professores da universidade.
Há grupos dedicados à realização de exames, ao desenvolvimento de novos testes, ao estudo de tratamentos médicos, à análise de dados epidemiológicos e à elaboração de equipamentos hospitalares, entre outros temas.
Parte do dinheiro para os trabalhos vem de projetos de pesquisa já em andamento – financiados principalmente pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) -, parte vem da fundação de pesquisa da própria Unicamp e parte foi doada por órgãos públicos.
A força-tarefa também negocia doações com empresas privadas.
Entre os participantes do grupo há cientistas que tiveram reconhecimento internacional por descobertas sobre o Zika. A epidemia causada pelo vírus, em 2015 e 2016, também motivou a universidade a criar uma força-tarefa. Desta vez, porém, a equipe é bem maior e mais diversa.
Os trabalhos ocorrem em parceria com o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp – que, desde a última quarta-feira (1/4), está credenciado para realizar exames de detecção da Covid-19 sem a necessidade de contraprovas.
Com capacidade para 403 leitos, o HC da Unicamp é o maior hospital da região metropolitana de Campinas, área que agrega 20 municípios e cerca de 4 milhões de habitantes.
Até a última quarta-feira (1/4), a cidade havia registrado 39 casos de Covid-19 e duas mortes pela doença.
É possível, porém, que o vírus já esteja bem mais espalhado pela região, diz à BBC News Brasil o virólogo José Luiz Proença Modena, membro da força-tarefa e coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) da Unicamp.
Modena afirma que uma das prioridades do grupo é acelerar a realização de testes de detecção.
Hoje, diz ele, a universidade consegue fazer manualmente cerca de cem exames por dia, restritos a profissionais de saúde e a pacientes em estado grave.
Como a demanda por exames tem sido bem maior que a oferta, os resultados têm demorado até 20 dias para sair, o que dificulta o trabalho dos médicos.
Modena espera atacar o problema com a chegada de robôs importados que automatizarão a análise das amostras.
Os equipamentos foram comprados com uma doação de R$ 2,6 milhões do Ministério Público do Trabalho (MPT) e multiplicarão em várias vezes a capacidade diária de testagem.
Segundo Modena, o plano é expandir os exames até mesmo para pessoas que não exibam sintomas da Covid-19 – mesma estratégia com que a Coreia do Sul conseguiu isolar infectados e controlar a epidemia no país.
Para atingir essa escala, porém, talvez seja necessário substituir insumos importados usados nos exames – e que hoje têm oferta limitada, pois disputados ferozmente por vários países.
Pesquisadores da força-tarefa já estão testando enzimas produzidas no Brasil que poderiam servir como substitutas. Segundo Marcelo Menossi, o grupo tem obtido resultados promissores com enzimas sintetizadas em Paulínia (SP), mas ainda falta padronizar os exames.
Em outra frente, pesquisadores do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) da Unicamp – um dos poucos no Estado de São Paulo habilitados para manusear o novo coronavírus em segurança – buscam medicamentos que possam inibir a replicação do patógeno.
Em uma das iniciativas, o grupo busca fármacos pouco tóxicos que possam ser associados à cloroquina, substância que já tem sido usada em tratamentos experimentais contra a covid-19 em vários hospitais.
Outra parte da força-tarefa conta com especialistas em engenharia e equipamentos médicos – caso de Marisa Beppu, professora de Engenharia Química da Unicamp e coordenadora da frente tecnológica do grupo.
Ela afirma que pesquisadores estão em contato com indústrias para encontrar formas de ampliar a produção de itens usados por profissionais de saúde – como máscaras e outros equipamentos de proteção individual (EPI). O grupo desenvolve protótipos com impressoras 3D.
Também há uma iniciativa do grupo sobre respiradores – equipamentos usados por pacientes em estado grave e que têm se tornado cada vez mais disputados conforme a covid-19 se espalha.
Segundo Beppu, o grupo identificou que mais proveitoso do que fabricar novos respiradores é consertar o grande número de equipamentos hoje sem uso em hospitais da região.
Outra equipe se dedica à análise de dados, cruzando informações dos pacientes para verificar quais têm mais propensão a piorar e devem ser acompanhados com mais cuidado.
De acordo com Beppu, em momentos como o atual, quando há “demanda por avanços urgentes em fronteiras do conhecimento”, instituições com tradição em pesquisa podem fazer a diferença para o país.
“Se não tivéssemos pesquisadores buscando soluções locais para os problemas, teríamos de importar protocolos que não necessariamente se aplicariam à nossa realidade”, afirma.
Competindo com as principais universidades
Marcelo Mori, professor do Instituto de Biologia e coordenador da frente da força-tarefa voltada à articulação institucional, diz acreditar que a Unicamp esteja em condições de competir “em pé de igualdade com as principais universidades do mundo” na busca por soluções para a pandemia.
Embora avalie que a covid-19 causará grande estrago e se diga “muito triste” com o cenário gerado pela pandemia, ele afirma que a experiência fará com que a sociedade se prepare melhor para desafios semelhantes no futuro.
“Nunca ficou tão claro o quão importante é nos organizarmos e investirmos maciçamente em pesquisa, em ciência, em saúde pública”, afirma.
“Esse tipo de iniciativa vai dar grande visibilidade à ciência e mostrar como a universidade é fundamental para os problemas da sociedade – e não só em tempos de crise”, afirma.