Isolamento é impossível em 20% dos lares
Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Caso o Brasil opte por afrouxar a quarentena e aplicar o isolamento seletivo, popularmente chamado isolamento vertical, um em cada cinco lares brasileiros ficará mais exposto à pandemia do novo coronavírus, que já matou 2.741 pessoas no país.
Isso significa que, mesmo que queiram, mais de 19 milhões de famílias não conseguirão isolar apenas os infectados, idosos e doentes crônicos por um simples fato: não há quartos suficientes em suas casas para que os apartados possam evitar o risco de contrair ou de transmitir a COVID-19. Essas famílias têm CEP; estão nas periferias das grandes cidades brasileiras.
O sucesso ou fracasso de se afrouxar a quarentena e manter isolamento seletivo depende da estrutura e da qualidade de moradia dos brasileiros. É possível isolar o grupo de risco de seus familiares, ou isolar um doente do novo coronavírus em uma residência com poucos cômodos? É o que buscou responder um levantamento geográfico feito pelo urbanista Bernardo Loureiro, do Medida SP, analisando dados do IBGE em que destaca os domicílios com mais de dois moradores por quarto.
“O que a gente percebe é a forte correlação entre renda e moradores por quarto. Como esses bairros periféricos vão conseguir isolar só os idosos? Isso aponta que os impactos de uma política de isolamento vertical seriam distribuídos de maneira desigual na população brasileira, devido às diferentes condições de moradia” explica Loureiro.
A capacidade de transmissão do novo coronavírus é ainda maior em ambientes fechados. Sem espaço, parentes não têm como impedir que o vírus se alastre dentro de casa. São 20% de todas as casas do Brasil que enfrentam essa limitação para o isolamento vertical. Entretanto, essa taxa esconde desigualdades regionais entre estados brasileiros, mas sobretudo entre bairros da mesma cidade, muitas vezes vizinhos.
A análise do Medida SP se debruça sobre dados amostrais do Censo 2010 e exibe um mapa da desigualdade das grandes cidades brasileiras por meio da prevalência desses domicílios em relação ao total de domicílios da área. Nessas condições, em certas áreas onde essa prevalência é alta, no conjunto do bairro a política pública fica inviabilizada.
É nesse dilema que se encontram as famílias da periferia de São Paulo, como na Brasilândia, bairro da Zona Norte, que, apesar de não ser líder no número de casos de COVID-19, lidera o número de mortes. O mapa abaixo, gerado a partir dos dados, cobre as grandes cidades de todo o Brasil.
Na capital paulista, as áreas nobres e grande parte do centro expandido, onde ficam os bairros de classe média, têm boas condições de fazer o isolamento vertical.
No Itaim Bibi em apenas 2% dos lares moram mais de duas pessoas por quarto. Já em Paraisópolis 44% dos domicílios estão nessa situação, o que comprometeria a eficácia do isolamento vertical ali, assim como nos bairros à margem das represas, na periferia da Grande São Paulo, em Heliópolis e Parelheiros.
Mas mesmo em áreas centrais da cidade o isolamento pode sofrer comprometimento. É o caso da República, em que 24% dos lares não conseguiram apartar grupos de risco. Situação semelhante de Jabaquara, Ipiranga e Penha, bairros que possuem áreas tanto de características de periferia como de classe média, todos com mais de 20% de domicílios impossibilitados fazer isolamento vertical.
Na capital fluminense a desigualdade entre bairros próximos é mais clara. São Conrado tem 4% de domicílios apertados demais para fazer isolamento seletivo, enquanto na vizinha favela da Rocinha, essa taxa sobe para 38% dos lares.
Na Maré essa política seria ainda mais inviável, 51% dos lares não podem isolar o grupo de risco, enquanto em toda a Zona Sul essa taxa se mantém bem abaixo dos 10%.
Essa dinâmica relacionada à renda se repete em várias capitais brasileiras, com áreas nobres verdes e áreas periféricas em vermelho no mapa. É o caso de Fortaleza, no Ceará; São Luiz, no Maranhão; Teresina, no Piauí; Natal, no Rio Grande do Norte; Maceió, em Alagoas; João Pessoa, na Paraíba; Manaus, no Amazonas; e Macapá, no Amapá.
Já algumas cidades estariam em uma situação complicada para o isolamento vertical. Isso porque elas não têm áreas verdes no mapa. É o caso de algumas capitais, como Rio Branco, no Acre, e algumas cidades importantes do Norte, como Santarém e Altamira, no Pará.
Já em Curitiba, Belo Horizonte e Goiânia, todas as áreas possuem baixa prevalência de lares nessas condições, o que comprometeria pouco a eficácia caso uma política de isolamento vertical fosse aplicada.