Língua de Bolsonaro já afeta investimentos e isola o Brasil

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Foto: REUTERS/Adriano Machado

O maior drama político do governo Bolsonaro explode quando o mundo começa, depois de dois meses de choque e introspeção, a preparar a próxima fase da pandemia, com a transição do confinamento para o “novo normal” na linha de mira.

Uma das poucas certezas é que a reputação sanitária será o fundamento da diplomacia, pelo menos nos próximos dois anos. A administração Trump já começou a condicionar a imigração dos países mais afetados pela pandemia, enquanto a União Europeia se prepara para criar “passaportes sanitários”. Os voos internacionais desembarcam na China em aeroportos selecionados, e seus passageiros são quarentenados.

Na ausência de uma ideia clara sobre a imunidade, as fronteiras de nações ou blocos regionais serão o principal instrumento de regulação epidemiológica nos próximos meses. Nesse jogo que mistura fatos científicos e agendas políticas, o Brasil está condenado a perder todas as partidas.

A resistência em aceitar a nova realidade que caracteriza o governo Bolsonaro coloca o Brasil em situação semelhante à da África do Sul do apartheid no final dos anos 1980. Naquela altura, a comunidade internacional agiu em concerto para isolar um regime que representava tudo o que se considerava moralmente inaceitável. Se a aplicação de sanções é impossível por conta da proteção americana, iniciativas espontâneas podem agravar o colapso econômico.

Como sugeriu Elio Gaspari na sua coluna deste domingo (26), investidores serão pressionados a preterir um país onde o governo desrespeita as medidas mais elementares de prevenção sanitária. Mercadorias brasileiras também serão alvos fáceis para países em busca de argumentos protecionistas.

No imaginário de uma parte da elite nacional, a eleição de Jair Bolsonaro era um bilhete de ida simples para o ocidente: a entrada na OCDE, a integração com os Estados Unidos, o regresso dos grandes investimentos. Agora, essa elite terá de aprender a conviver com a repulsa que suscita um país pária. Por conta das ações do governo, expatriados, empresários e turistas brasileiros terão de se sujeitar a observações desagradáveis em praticamente todo o mundo.

Numa ironia do destino, é a África do Sul que está ocupando o lugar de “esperança do Sul” que o Brasil assumiu na crise de 2008. Desmoralizado por inúmeros casos de corrupção e má-governança, o governo sul-africano recuperou o seu prestígio graças ao pacote elaborado pelo ministro da fazenda e novo queridinho dos mercados, Tito Mboweni: multilateralismo, parcerias com o setor privado e programas de ajuda coordenados com a sociedade civil.

Todo o contrário de Paulo Guedes, o último economista do mundo a pensar que a pandemia seria uma marolinha. A sua apatia abriu caminho para os militares formularem uma alternativa programática. Depois do balão de ensaio desenvolvimentista da semana passada, até os gestores de fundo mais destemidos começaram a fazer as malas para lugares mais preparados para a travessia.

Se o delírio negacionista criou um estigma contra o governo brasileiro, foi o fracasso da política econômica que o confinou definitivamente ao isolamento.

Folha