Negacionismo de Bolsonaro custará caro ao Brasil
Foto: NICHOLAS KAMM/AFP
Ao negar a necessidade de distanciamento social e, mais do que isso, desobedecer as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), passeando e provocando aglomerações em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro manchou a já combalida imagem do país no exterior. Para especialistas, a fatura do discurso contrário às orientações com bases científicas não será barata e o Brasil corre o risco de sofrer um isolamento comercial por conta da falta de controle sanitário. Nem mesmo a mudança de tom no último pronunciamento aliviou as críticas internacionais.
A imagem do país lá fora começou a se desfazer com a política ambiental do governo Bolsonaro — ou a ausência dela — em relação às queimadas na Amazônia. A falta de diplomacia nas relações com a China agravaram o quadro. Porém, nada foi tão contundente quanto a insistência do presidente em negar a gravidade da pandemia de coronavírus. Para piorar, Bolsonaro insiste em comemorar o golpe militar. Tanto que diversas entidades de direitos humanos apresentaram denúncia contra o governo brasileiro na Organização das Nações Unidas (ONU) por conta do comportamento do chefe do Executivo.
“Nunca, antes, o país esteve tão isolado diplomaticamente”, alerta André Reis, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Bolsonaro está em isolamento internacional, porque pouquíssimos países ignoram a pandemia”, diz. Segundo ele, o negacionismo é de origem da direita antiglobalista, cujo principal defensor é Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, a quem Bolsonaro imita. “Eles têm ranço contra organismos internacionais. Veem ameaça em qualquer órgão da ONU, como é o caso da OMS, desprezam a atividade científica e divulgam informações falsas ou distorcidas”.
No entanto, Trump recuou e ampliou o período de quarentena. “Vamos ver como Bolsonaro se comporta. Seria o momento de recuar também, mas ao que parece, dobrou a aposta”, lamenta o especialista. Para ele, há um repúdio internacional ao presidente brasileiro. “As críticas são pesadas quanto ao comportamento pessoal dele diante da crise. Em resumo, a comunidade internacional acredita que Bolsonaro não está preparado para enfrentar a crise. Por isso, enfrenta isolamento, tanto dentro do governo quanto no cenário internacional”, avalia.
O efeito é o encolhimento do Brasil. “Hoje, o país não tem capacidade de influenciar nada, isso tem impacto no comércio exterior, porque provoca afastamento de importantes compradores e investidores”, considera Reis. A segunda questão, segundo o professor, é sanitária, um dado muito importante em relações comerciais. “Se o Brasil se mostrar descontrolado sanitariamente, vai perder espaços nas exportações. Corre o risco de um isolamento comercial”, sentencia.
Para Juliano da Silva Cortinhas, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a postura do presidente é lamentável. “O comportamento diante de um assunto de vida ou morte dos cidadãos se baseia nos achismos e visões incorretas do mundo. Isso pode trazer consequências muito graves”, avalia. O professor alerta para o isolamento de Bolsonaro, inclusive das associações que apoiavam seu governo. “Há um distanciamento interno das Forças Armadas. Do ponto de vista externo, a imagem é ruim desde que o presidente assumiu, porque o chanceler Ernesto Araújo não colabora em nada”, destaca.
Cortinhas alerta que os dois — Bolsonaro e Araújo — são indivíduos muito criticados no meio internacional por posturas contrárias aos direitos humanos e ao meio ambiente. “Desde que Bolsonaro assumiu, o país perdeu o status de cooperativo, de uma nação que privilegiava a cooperação. Hoje, o Brasil é unilateral, um país que não respeita o conhecimento científico”, lamenta. As atitudes do presidente, segundo o professor, demonstram sua inépcia para o cargo, sua incapacidade de conduzir o país. “Eu vejo que existe um cálculo por trás das suas afirmações. Ele tentou se capitalizar politicamente com o discurso de proteger o interesse dos mais pobres, garantindo empregos. Diante da gravidade do coronavírus, foi um grande erro de leitura. Perdeu muito apoio nas redes sociais, se deu conta de que a tacada foi errada, mas não sabe como corrigir”, assinala.
A paralisação da economia não é uma opção, conforme o professor André Cunha, da UFRGS. “Vai parar. O governo tem que tentar minimizar os custos e apoiar as famílias. Ao negar tudo, a imagem que fica, fora e dentro do país, é de falta de sintonia com a realidade”, avalia. Para ele, o governo de Bolsonaro corre o risco de implosão interna. “Os ministros não obedecem, os governadores, também não. E o mundo está observando isso. A imagem é de um país sem liderança.”
O professor explica que os comandantes da área econômica estão desmontando o Estado, em um momento em que a presença estatal é muito mais necessária. “Os sinais são confusos, falta coordenação. As instituições existem, mas precisam de comando competente e eficiente. Em nenhuma área isso está ocorrendo. O mundo está vendo um presidente contra o seu povo”, resume.
No entender do professor de Economia da UFRGS André Cunha, do ponto de visto de econômico, o Brasil está agindo de forma descoordenada e tímida. “O FMI (Fundo Monetário Internacional) tem um site onde atualiza as políticas adotadas pelos países. Há exemplos positivos de países liberais, como o governo se diz ser”, afirma. Segundo ele, na Inglaterra, o governo promete pagar salários de até 2,5 mil libras, o que é um valor acima da média no país. “E a Inglaterra tem um governo pró-mercado”, lembra.