Pandemia causa fome e desemprego na Rocinha
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
É por entre vielas escuras com esgoto escorrendo, fiações exportas e entrelaçadas em pedaços de madeira e um cheio forte de mofo que se chega no cômodo simples onde mora Talita Silva Gomes, de 25 anos. O barraco, que não tem portas e muito menos janelas, fica na localidade conhecida como Três Fazendas, na Rocinha, abriga a desempregada e seus três filhos: de 8, 7 e 6 anos. Por ali, a fome já chegou. Devido a pandemia do coronavírus, a jovem não consegue mais os “bicos” que fazia, dentro da comunidade e em bairros da Zona Sul, para completar os R$ 200 que recebe do Bolsa Família.
“Não tenho condições de comprar quase nada para dentro de casa. A gente só tem o básico, que é o feijão, e já está acabando. O que ajudava um pouco eram os serviços que fazia. Mas, agora, não tem mais”, relata, abatida, a jovem.
Preocupada com as crianças, Talita dividiu o pouco alimento em três porções iguais e não almoçou. Assim como a falta de comida, o temor pela infecção do novo vírus assombra a jovem mãe. E não é para menos. A Secretaria estadual de Saúde investiga pelo menos duas mortes suspeitas de ter relação com a doença. Casos os exames se confirmem, serão as primeiras vítimas fatais em uma comunidade do Rio.
“Todos os meus filhos se alimentam mal, têm imunidade baixa e bronquite. O que mais temo é acontecer algo pior: eles serem infectados (pelo coronavírus) e eu acabar perdendo algum deles”, conta Talita, sentada na cama de solteiro onde dormem todos juntos.
Sem um trabalho formal desde 2014, a desempregada conta que, há mais de meses, os meninos não comem um iogurte ou uma fruta, verdura ou legume. Quando o dinheiro sobra, o que eles têm são pratos com arroz, feijão e uma carne.
Na parte de baixo do cômodo de Talita, mora sua irmã, a diarista Marla Silva Gomes, de 25 anos, que vive com o filho em um barraco de pouco menos de 5 metros quadrados. Era ela quem “segurava as pontas da família”, deixando a favela diariamente para cuidar de casas no Leblon.
Há 15 dias, porém, as patroas dispensaram os serviços de Maria. E agora, ela também passou a precisar de ajuda.
“Estamos passando necessidade. Na última semana, não tínhamos nada para a gente comer. Achamos um cofre, da minha mãe, e desesperadas quebramos. Tinha R$ 90 em moedas. Corremos no supermercado e comprarmos algumas coisinhas para casa, que já não é suficiente mais”, relatou a diarista.
Além da falta de comida, a família tem enfrentado o racionamento de água na região de Três Fazendas.
“Não tem água suficiente. Quando tem, a gente tenta manter as crianças limpas. Não tem muito o que fazer. Ganhamos uma garrafinha de álcool em gel e deixamos só para eles. Mas, já está acabando”, explica Talita.
Na manhã desta quarta-feira (1), representantes da associação de moradores da Rocinha esteve na localidade e cadastrou pelo menos cinco famílias da região para que elas possam receber uma cesta básica e um kit de higiene.
Uma das beneficiadas será Maria Bernardo da Silva, de 80 anos, que vive em uma pequena casa, de dois cômodos e um banheiro, com um filho de 57 anos. Os dois, que são considerados grupo de risco, por terem problemas respiratórios, passam dentro do imóvel.
Recebendo R$ 600 de uma pensão deixada pelo marido, a idosa chora ao lembrar que precisa da ajuda dos filhos para ter uma alimentação básica. O filho, que mora com ela, está desempregado há sete anos, e, por causa da pandemia, evita sair de casa para não ser a próxima vítima.
“Tenho problemas de asma, de pressão e não conseguimos ter uma alimentação adequada. Os remédios são muito caros e o pouquinho que sobra compramos umas coisinhas que duram no máximo cinco dias”, lamentou Maria enquanto fazia nebulização.
A preocupação dos moradores da Rocinha em relação ao risco de contágio pela Covid-19 é a mesma das cerca de 13 milhões de pessoas que vivem em favelas no estado. Segundo o Instituto DataFavela, para 72% deles uma semana ser trabalho representa muito na receita e no padrão de vida, já muito baixo. Ainda de acordo com o levantamento, 47% desse grupo vive do trabalho autônomo para conseguir sobreviver.