Partido atrai Bolsonaros com dinheiro e evangélicos

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Foto: Beto Barata/Agência Senado

Abrigo de dois filhos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o Republicanos foi um dos partidos de direita que passaram, na última década, por uma expansão do número de filiados, da bancada na Câmara dos Deputados e da fatia recebida do fundo partidário.

A recente filiação da família do presidente também aponta para um fortalecimento da legenda, que nasceu em 2005 colada à Igreja Universal do Reino de Deus. Após falhar na criação da Aliança pelo Brasil a tempo hábil para as eleições municipais, Bolsonaro indicou o Republicanos como a casa temporária de seus aliados.

A preferência foi sinalizada no fim do mês passado, com a filiação de dois de seus filhos, o vereador Carlos e o senador Flávio, e de sua ex-mulher Rogéria Bolsonaro.

A acolhida dos filhos do presidente retrata o pragmatismo do partido (antigo PRB), que vem se “profissionalizando” desde a chegada do bispo Marcos Pereira à presidência da legenda, em 2011.

Pereira, que apoiou a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência e foi ministro do governo de Michel Temer (MDB), recebeu os filhos de Bolsonaro por dois motivos pontuais, mesmo sabendo que, depois, a Aliança pelo Brasil deve ser o destino final da família do presidente.

No Rio, uma eventual candidatura à reeleição de Carlos Bolsonaro à Câmara Municipal pode puxar votos a ponto de ampliar a bancada do partido, ainda que o filho do presidente troque de legenda futuramente.

Já a filiação de Flávio Bolsonaro deixa o Republicanos com dois senadores, a um passo de ocupar uma liderança no Senado —direito concedido a partidos com pelo menos três senadores.

Sob o comando de Marcos Pereira, os diretórios estaduais do partido foram assumidos por pessoas de fora da Igreja Universal.

O descolamento da igreja também resultou em uma mudança de perfil dos deputados federais. Em 2010, 75% dos parlamentares tinham relação com a igreja. Em 2018, esse percentual caiu para 50%.

Cargos da executiva do partido, como os de tesoureiro e secretário-geral, passaram a ser ocupados por dirigentes de perfil administrativo, ao mesmo tempo em que a sigla adotou o discurso de que não era necessário ser ligado à denominação religiosa para ingressar no partido.

“Trato o partido de forma pragmática. Minha cabeça é de executivo. Não é de político. É meta. É planejamento”, diz Pereira, que foi vice-presidente da Rede Record por dez anos.

A tentativa de imprimir um caráter mais empresarial à sigla deu frutos. Em 2010, a legenda contava com 10 deputados federais. Em 2014, o número subiu para 21. Hoje, a bancada tem 31 parlamentares.

Encorpado, o Republicanos recebeu, no ano passado, R$ 47 milhões do fundo partidário (o nono maior repasse entre 23 partidos). Em 2018, esse valor havia sido de R$ 39 milhões e, em 2017, de R$ 32 milhões.

O número de filiados é outro indicativo do crescimento da legenda. De novembro de 2019 a abril deste ano, houve um aumento de 40% no número de filiados, saltando de 424 mil para 595 mil. Já o total de vereadores subiu de 1.618, em 2016, para os atuais 2.515.

O cientista político Fernando Guarnieri, professor do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), afirma que o crescimento do Republicanos faz parte de um contexto maior de fortalecimento de pequenos partidos de direita, que se tornaram médios.

Segundo ele, essa expansão se deu ao mesmo tempo em que siglas da direita tradicional perderam voto.

“A nova direita se caracteriza por duas dimensões, ser liberal na economia e seguir o conservadorismo moral. [O partido] pega essa questão e coloca na agenda. Isso tem tido uma grande ressonância junto ao eleitorado”, diz o professor.

Depois de não conseguir controlar o PSL nem criar ainda a Aliança pelo Brasil, Bolsonaro teve que escolher um novo destino para seus apoiadores. Para ser coerente com seu discurso crítico à política tradicional, precisou optar por uma legenda de direita, de crescimento recente.

O Patriota era outra alternativa para bolsonaristas que, interessados em disputar as eleições, não puderam esperar pela constituição da Aliança.

De acordo com Guarnieri, a indicação do Republicanos se deu por duas principais razões. Primeiro, Bolsonaro tem interesse na manutenção do voto evangélico, que representa importante fatia de seu eleitorado. Segundo, o presidente precisa manter o controle de seu reduto eleitoral.

O PSC do governador Wilson Witzel, seu rival, é um dos partidos de direita que mais se fortaleceram no Rio de Janeiro. Decidir pelo Republicanos, assim, seria uma forma de estabelecer um contraponto a Witzel e sua legenda (da qual fazia parte, inclusive, Carlos Bolsonaro).

A chegada da família Bolsonaro se dá no momento em que o Republicanos troca de nome, ao retirar a palavra partido, e declara em manifesto a “posição conservadora nos costumes e liberal na economia”.

Mas nem sempre foi assim. O Republicanos foi criado em 2005 por dissidentes do PL, após o mensalão petista, e dava suporte ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Naquele ano, quando a legenda ainda se chamava PMR (Partido Municipalista Renovador), a presidência de honra foi ocupada por José Alencar, então vice-presidente de Lula.

Outras estrelas do partido eram o ex-ministro Roberto Mangabeira Unger e o atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que foi ministro da Pesca da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Crivella é bispo licenciado da Universal e sobrinho de Edir Macedo, fundador da igreja.

O partido atuou na sustentação dos governos petistas até 2016, quando rompeu com Dilma e votou a favor de seu impeachment. Em troca, ganhou o Ministério da Indústria e Comércio no governo Temer (MDB), cadeira ocupada pelo próprio Pereira.

No cargo, Pereira teve uma conversa gravada pelo empresário Joesley Batista. No áudio, os dois falavam em números. Em depoimento à Lava Jato, Joesley acusou Pereira de cobrar o pagamento de R$ 6 milhões em troca de ajuda para obtenção de empréstimo na Caixa Econômica Federal.

Pereira, também investigado por suposto recebimento de propina da construtora Odebrecht, entregou o cargo em janeiro de 2018, mesmo ano em que concorreu à Câmara dos Deputados. Hoje ocupa a vice-presidência da Casa em um acordo selado com os demais partidos do chamado bloco do centrão.

Outra figura de destaque no partido é o deputado federal Silas Câmara, presidente da Comissão de Minas e Energia e da Frente Evangélica do Congresso. Dos 31 deputados do Republicanos, 24 deles (77%) fazem parte do grupo evangélico.

Silas é irmão do pastor Samuel Câmara, líder da Assembleia de Deus em Belém (PA). Em um culto ministrado por ele, Jair Bolsonaro se ajoelhou para receber sua bênção.

O evangelismo está no DNA da origem do partido, fundado com base em assinaturas coletadas pela Universal. Em 2006, ano seguinte à criação, a legenda recebeu R$ 1,5 milhão de oito empreiteiras contratadas pela igreja para a construção de templos.

Ainda que a sigla venha se descolando da Universal na última década, segue em curso a herança de um poder centralizador que dá um comando e todos seguem.

A verticalização das decisões, com o fechamento de questão no Congresso, foi outro fator que contribuiu para o fortalecimento de uma identidade única e conservadora do Republicanos.

Folha