STF barra lei contra “ideologia de gênero” nas escolas
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A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionou contra uma lei municipal que veta a discussão de gênero em escolas.
Os ministros declararam inconstitucional uma lei de Nova Gama (GO) sobre a chamada “ideologia de gênero”.
O Supremo julga desde sexta-feira (17), em sessão virtual, uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), a lei de 2015.
Pela lei questionada, é proibido “material com informações de ideologia de gênero” nas escolas de Nova Gama.
A expressão “ideologia de gênero” não é reconhecida no universo educacional. É usada por grupos conservadores e religiosos contrários ao debate sobre diversidade sexual e identidade de gênero.
O combate a abordagens de gênero ganhou força no Brasil com o movimento chamado Escola Sem Partido e também por iniciativas legislativas ligadas a grupos bolsonaristas.
O relator da ação no Supremo, ministro Alexandre de Moraes, concordou com o entendimento da PGR de que a lei viola de modo “formal e material” princípios e dispositivos constitucionais.
Até as 22h45 desta sexta, 9 dos 11 ministros haviam seguido o relator: Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin (que acompanhou com ressalvas).
Segundo a PGR, a lei do município goiano fere, entre outros pontos, o direito à igualdade, a laicidade do Estado, a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento.
“Somente na publicação do acórdão vamos saber os detalhes da decisão dos ministros e de como será sua aplicação em outros casos de legislação antigênero existentes no país”, disse Denise Carreira, da Ação Educativa, que integra grupo de organizações e redes de sociedade civil ativas no combate a legislações inspiradas no Escola Sem Partido.
“A decisão cria uma jurisprudência qualificada e poderosa contra qualquer legislação que crie barreiras para o debate de gênero na educação”, afirmou.
Para Carreira, o posicionamento do Supremo significa “uma vitória de todos os que lutam pelo direito à educação de qualidade no país, contra o obscurantismo, a ignorância, a censura, as perseguições às profissionais de educação, contra a discriminação e a violência vivida por meninas, mulheres e população LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros]”.
Em fevereiro, Moraes já havia suspendido por liminar (decisão temporária) a lei de Nova Gama.
A ordem foi baseada no entendimento de que não cabe aos municípios legislar sobre assuntos vinculados a diretrizes e bases da educação nacional, responsabilidade da União.
“Colocando de lado, nesse primeiro momento, a questão, por si só tormentosa e de grande relevância constitucional, a respeito da identificação das questões de gênero, importa realçar que a proibição de divulgação de conteúdos na atividade de ensino em estabelecimentos educacionais implica ingerência explícita do Poder Legislativo municipal no currículo pedagógico ministrado por instituições de ensino vinculados ao Sistema Nacional de Educação”, escreveu Moraes na decisão provisória.
A ADPF 457 é uma das 15 ações no Supremo que tratam de conteúdos relacionados às propostas do movimento Escola Sem Partido.
Três delas se referem a uma lei de Alagoas que instituiu a chamada “Escola Livre”. Também inspirada no Escola Sem Partido, a legislação está suspensa desde 2017 por liminar de Barroso.
Segundo levantamento mais recente do Movimento Educação Democrática, de agosto de 2019, há o registro de 121 projetos de leis vinculados ao Escola sem Partido nos legislativos municipais e estaduais de todo o país.
Foi em 2014 que os filhos políticos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apresentaram, no Rio de Janeiro, os primeiros projetos de lei para criar Escola Sem Partido: Flavio Bolsonaro fez a proposta na Assembleia Legislativa, e Carlos Bolsonaro, na Câmara Municipal.
Segundo estudiosos, a abordagem educacional sobre questões de gênero pode colaborar com o combate de problemas como gravidez na adolescência, violência contra mulher, machismo e homofobia.
A igualdade de gênero é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
De acordo com pesquisadores, o próprio termo “ideologia do gênero” foi gestado entre os que atacam essas discussões. Não há entre educadores, portanto, quem defenda uma ideologia.