Um “Projeto Manhattan” contra a covid19
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Inspirados no projeto Manhattan, programa de pesquisa que desenvolveu a primeira bomba atômica durante da Segunda Grande Guerra Mundial, o grupo conta com ganhadores do prêmio Nobel e investidores como Tom Cahill e Peter Thiel. E busca ideias pouco ortodoxas
Um grupo secreto composto por cientistas e bilionários trabalha com ideias pouco usuais e com conexões poderosas para combater o novo coronavírus.
Liderados pelo médico que se tornou investidor de venture capital Tom Cahill, de 33 anos, os envolvidos se autodenominam Scientists to Stop Covid-19 e se inspiram no Projeto Manhatthan, programa que reuniu cientistas que ajudaram no desenvolvimento da bomba atômica durante da Segunda Grande Guerra Mundial.
O grupo é composto por biólogos químicos, um oncologista, um neurobiologista, um cronobiologista, um imunologista, um gastroenterologista, um epidemiologista e um cientista nuclear.
Peter Thiel, fundador da Palantir e da empresa de venture capital Founders Fund, e Jim Pallotta, o homem por trás do Raptor Group, também embarcaram na iniciativa.
Em entrevista ao The Wall Street Journal, Michael Rosbash, vencedor do Prêmio Nobel de Medicina em 2017, disse que “não há dúvidas de que sou o menos qualificado de todos ali”.
O grupo já consolidou um relatório de 17 páginas que propõe métodos pouco ortodoxos para lidar com a pandemia.
Uma das sugestões do grupo é tratar os pacientes com drogas já testadas e comprovadas. Um exemplo é o remédio contra Ebola, mas com dosagens bem mais altas do que as usadas no passado.
O trabalho de 17 páginas chegou às mãos de pessoas próximas ao vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, que coordena a força-tarefa que combate à Covid-19.
O FDA, departamento equivalente à Anvisa no Brasil, já implementou algumas recomendações do grupo, como aliviar certas regulamentações de produção e outros requerimentos específicos para drogas contra o novo coronavírus.
Sem buscar nenhum tipo de vantagem financeira, o clube de cientistas e bilionários se formou quase que espontaneamente. No início de março, quando o número dos casos fatais da Covid-19 aumentou, Cahill ficou intrigado e um pouco deprimido com o estado da pesquisa sobre o vírus.
Paralelamente, muitos de seus investidores passaram a direcionar a ele diversas perguntas sobre o vírus. Para lidar com tantas questões e informações de uma forma menos caótica, Cahill organizou uma conferência telefônica para compartilhar as ideias que tinha para acelerar o desenvolvimento do remédio contra a Covid-19.
A expectativa era de que cerca de 20 pessoas participassem da iniciativa, mas o volume de interessados foi muito maior.
Apesar das boas intenções e generosos aportes, o grupo sabe que nem todas as suas sugestões serão consideradas, aceitas ou testadas. “Nós podemos falhar, mas caso tenhamos sucesso, vamos mudar o mundo”, disse Stuart Schreiber, químico de Harvard e membro do grupo.
O trabalho do clube se dá, basicamente, online. Por videoconferências, mensagens de texto e e-mails, os envolvidos discutem artigos científicos publicados em diferentes lugares do mundo.
Eles separam as sugestões entre ideias promissoras e duvidosas, mas analisam todas. Cada um dos integrantes pesquisa, em média, até 20 documentos por dia, cerca de 10 vezes o ritmo de suas rotinas “normais”.
Os debates nem sempre foram puramente científicos. O grupo discutiu, por exemplo, se deveria sugerir às autoridades de saúde pública o nome do novo vírus de “SARS-2”, que soaria mais assustador e, consequentemente, faria com que as pessoas tomassem um cuidado maior, como usar máscaras.
Simultaneamente, a equipe se comprometeu a tentar frear os impulsos políticos, uma tarefa difícil diante do “barulho” da pandemia em pleno ano eleitoral.
A hidroxicloroquina recebeu apenas uma menção passageira no relatório final da equipe
A hidroxicloroquina, um medicamento contra a malária promovido por líderes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, foi tirada de jogo depois que Ben Cravatt, um dos especialistas do grupo, determinou que o medicamento seria um tiro no escuro. A droga recebeu apenas uma menção passageira no relatório final da equipe.
O grupo também descartou a ideia de usar o teste de anticorpos para permitir que as pessoas voltassem ao trabalho, caso exames comprovassem que os pacientes haviam se recuperado.
Sobre essa questão, Cravatt, que é biólogo químico, declarou que foi “a pior ideia que já ouviu”. Ele disse que a exposição prévia pode não impedir as pessoas de transmitir o vírus e que enfatizar demais o teste de anticorpos pode encorajar algumas pessoas a se infectarem intencionalmente para obter mais tarde um atestado de saúde.
Agora, o foco do grupo é aumentar o envolvimento do governo federal no combate ao vírus. A equipe propõe, por exemplo, a compra de medicamentos ainda não comprovados como forma de incentivar os fabricantes a aumentarem a produção sem se preocuparem em perder dinheiro, caso os medicamentos falhem.
Outra proposta é reduzir o tempo necessário para uma revisão clínica de novos medicamentos para uma semana, em vez de nove meses ou um ano. Tudo indica que as sugestões da equipe são pelo menos consideradas pela administração Trump.