Bolsonaristas vão causar crise política, dizem especialistas
Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
O cenário brasileiro de instabilidade política, pandemia e manifestações pró-presidente que contrapõem às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de evitar aglomerações vem se tornando uma receita cada vez mais propícia para uma escalada ainda maior de conflitos e tensões políticas. Especialistas ouvidos pelo Correio preveem enxurrada de petições para o impeachment do presidente da República Jair Bolsonaro no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ontem, Bolsonaro voltou a aparecer na rampa do Planalto para saudar manifestantes que fizeram ato a favor dele na Praça dos Três Poderes. Desta vez, o presidente foi acompanhado por 10 de seus ministros: Abraham Weintraub (Educação), André Mendonça (Justiça e Segurança Pública), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Tereza Cristina (Agricultura).
A aparição contou, ainda, com a presença de dois filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro. No protesto, o mandatário do país chegou a parabenizar os manifestantes por não portarem cartazes com conteúdos contra a democracia, como visto em atos anteriores. Muitos apoiadores do presidente, porém, voltaram a exibir faixas com conteúdo contra a Constituição e contra o STF.
“Não há nenhuma faixa, nenhuma bandeira, que atente contra a Constituição e contra o Estado Democrático brasileiro. Estão de parabéns, tenho certeza”, celebrou Bolsonaro. Ele também falou sobre a pandemia no país. “O governo federal tem dado todo o apoio para atender às pessoas que contraíram o vírus, e esperamos brevemente ficar livre dessa questão, para o bem de todos nós. O Brasil, com certeza, voltará mais forte. Tenham certeza de que movimentos como este fortalecem o nosso Brasil acima de tudo”, discursou o presidente.
O protesto voltou a reunir centenas de pessoas, que quebraram o isolamento social horas antes de o Brasil registrar 241.080 casos de covid-19 e ultrapassar as 16 mil mortes provocadas pela doença. Muitos apoiadores do presidente estavam sem máscara, mesmo com o decreto que obriga o uso do equipamento no Distrito Federal. Bolsonaro e os ministros usavam proteção, mas o presidente mexeu na que estava em seu rosto em vários momentos e chegou a tirá-la da posição correta para falar na transmissão ao vivo que fez na própria rede social.
O comportamento do presidente de apoio a manifestações e aglomerações desafia o risco de contágio do novo coronavírus. Fato que se soma às denúncias contra Bolsonaro de interferência na Polícia Federal realizadas por ex-aliados, como o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e, agora, pelo empresário Paulo Marinho (PSDB-RJ), suplente do senador Flávio Bolsonaro.
Para Paulo Baía, sociólogo e cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as turbulências no cenário político do país, incluindo uma série de petições de impeachment do presidente, terão reflexos drásticos tanto na saúde da população brasileira quanto na economia. “Veremos tudo isso e mais um total repúdio à Medida Provisória (MP 966/2020), que anistia omissões, erros e desvios de autoridades públicas na pandemia”, aposta Baía.
Para o pesquisador, o grande problema do governo federal é a falta de espaço para diálogo e negociações, consequência de um projeto vencedor das últimas eleições sem um arranjo sólido. Nem mesmo as declarações do empresário Paulo Marinho, embora bombásticas, terão poder catalisador. “O Congresso e o STF não querem o impeachment. Trabalham com a tese de que Bolsonaro será contido. Ou seja, querem que ele seja o que ele não é”, resume Baía.
Uma petição on-line pela saída de Bolsonaro do Palácio do Planalto voltou a ganhar força ontem. “Além de Bolsonaro cometer crimes de responsabilidade desde o primeiro dia em que pisou no Palácio do Planalto, ele, agora, atua de forma irresponsável e criminosa durante a crise do coronavírus”, aponta o texto, que estava próximo de bater a meta de alcançar 30 mil assinaturas.
Marcelo Aith, especialista em direito penal e público e professor de pós-graduação na Escola Paulista de Direito, diz que as declarações do empresário Paulo Marinho do suposto vazamento e procrastinação da Operação Furna da Onça são seríssimas. No entanto, embora exista uma conexão entre esses fatos e o apurado pelo STF contra o presidente, não há como reuni-los. Isso porque a Constituição prevê imunidade formal e impede que o chefe do Executivo seja investigado, processado e julgado por crimes estranhos à função.
“No tocante ao pedido que alguns deputados protocolaram, a princípio entendo que não há como levar à anulação das eleições, pois inexistem elementos que possam comprovar que o retardamento da deflagração influenciaria na vontade dos eleitores”, explica Aith. Ele, no entanto, ressalta “uma coincidência estranha”. “É que o delegado que chefiou a Operação Cadeia Velha, reunindo informações que levaram, então, à operação Furna da Onça, que chegou a Queiroz, atende pelo nome de Alexandre Ramagem”, assinala.
O advogado Rodrigo Fuziger, professor da pós-graduação da Universidade Mackenzie, reforça que, primeiro, Marinho terá que ser chamado oficialmente para depor. “É importante que se confirme que o informante foi mesmo o Ramagem. Enquanto os detalhes não forem esclarecidos, creio que nada de muito novo vai acontecer, a não ser, é claro, o impacto das notícias na opinião pública. São eventos que vão minando a força do presidente”, analisa.
Durante a manifestação pró-Bolsonaro na Esplanada, uma jornalista foi constrangida por uma apoiadora do presidente. A repórter Clarissa Oliveira, da Band News, foi atingida na cabeça pela haste de uma bandeira do Brasil. “Ela balançava a bandeira e, em determinado momento, me acertou na cabeça. Logo em seguida, ela se desculpou, meio aos risos”, contou Clarissa Oliveira. Segundo ela, a manifestante “circulava com a bandeira criticando os profissionais de imprensa, referindo-se aos jornalistas como lixo”.
A jornalista disse, ainda, que registraria ocorrência em uma delegacia de Brasília. A agressão não chegou a machucar a profissional que trabalhava no local, mas constrangimentos como esse vêm se tornando frequentes. Em protesto semelhante ocorrido no último dia 3 de maio, outros repórteres foram agredidos. E, na última semana, ameças de morte a jornalistas foram flagradas pichadas em paredes de Belo Horizonte.
Seis ex-ministros da Defesa reafirmaram, ontem, em nota, o compromisso das Forças Armadas com a democracia. Os ex-ministros afirmam no comunicado que as Forças Armadas são instituições de Estado e que têm como “missão indeclinável a defesa da pátria e a garantia de nossa soberania”. A nota é assinada pelos ex-ministros Aldo Rebelo, Celso Amorim, Jaques Wagner, José Viegas Filho, Nelson Jobim e Raul Jungmann. Entre os signatários, Jungmann é o único que não foi ministro dos governos do PT. “Assim, qualquer apelo e estímulo às instituições armadas para a quebra da legalidade democrática — oriundos de grupos desorientados — merecem a mais veemente condenação. Constituem afronta inaceitável ao papel constitucional da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, sob a coordenação do Ministério da Defesa”, diz o texto. A manifestação dos ex-ministros acontece quase um mês após o presidente Jair Bolsonaro ter feito um discurso num ato que pedia a “intervenção militar” e o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), em frente ao Quartel-General (QG), em Brasília.