Bolsonaro quer esconder efeitos colaterais da cloroquina
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
O presidente Jair Bolsonaro disse que vai conversar nesta quarta-feira com o ministro da Saúde, Nelson Teich, para discutir o protocolo da pasta sobre o uso da cloroquina apenas em casos graves da covid-19. Ele justificou a discussão dizendo estar preocupado com “o elevado número de mortes” no país.
“Não é o meu entendimento, que eu não sou médico. É o entendimento de muitos médicos do Brasil e outras entidades de outros países, [que] entendem que a cloroquina pode e deve ser usada desde o início, apesar de saberem que não tem uma confirmação científica da sua eficácia. Mas, como estamos numa emergência, e a cloroquina sempre foi usada, desde 1955, e agora com a azitromicina, pode ser um alento para esta quantidade enorme de óbitos que estamos tendo no Brasil”, defendeu Bolsonaro, em entrevista na saída do Palácio da Alvorada.
Ele disse que seu entendimento, após ouvir médicos, é que o medicamento deve ser usado desde o início da contaminação pelo novo coronavírus por quem integra grupos de risco, com comorbidade ou idosos.
“Se fosse a minha mãe… Minha mãe está com 93 anos de idade. Eu vou atrás dela, pego um médico, lógico que não vou forçar o médico – mas tem muitos médicos que concordam com este tipo de medicamento – e ela usaria a hidroxicloroquina, enquanto não tivermos algo comprovado no mundo, temos este no Brasil aqui, que pode dar certo, pode não dar certo. Mas como a pessoa não pode esperar quatro, cinco dias para decidir, que a morte pode vir, é melhor usar”, declarou.
Na terça-feira, Nelson Teich foi às redes sociais informar que o Ministério da Saúde autorizou a prescrição da cloroquina para pacientes hospitalizados no dia 23 de março. Um mês depois, o Conselho Federal de Medicina possibilitou o uso da substância em outras situações.
Teich fez então o que chamou de “um alerta importante”: “A cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o ‘Termo de Consentimento’ antes de iniciar o uso da cloroquina”. Ele disse ainda que a pasta acompanha todas as pesquisas nacionais e internacionais sobre o tratamento do coronavírus, que avaliam, além da cloroquina, mais de dez medicamentos.
Questionado se ficou contrariado com as publicações do ministro, Bolsonaro respondeu que todos os ministros têm que estar afinados com ele.
“Todos os ministros são indicações políticas minhas, tá certo? E quando eu converso com os ministros, eu quero eficácia na ponta da linha. Nesse caso, não é gostar ou não do ministro Teich, tá? É o que está acontecendo. Nós estamos tendo aí centenas de mortes por dia. Se existe uma possibilidade de diminuir esse número com a cloroquina, por que não usá-la. Alguns falam que pode ser placebo. Eu falo: pode ser. A gente não sabe. Mas pode não ser também. A gente não pode daqui a dois anos falar ‘ah, se tivesse usado a cloroquina lá atrás, teríamos salvo milhares de pessoas’”. Só isso”, declarou o presidente.
Sobre o alinhamento com o ministro em outras questões, como a do isolamento social, o presidente disse que, desde o começo da pandemia, defende o que classifica como “isolamento vertical”, cuidar das pessoas do grupo de risco e “botar o povo pra trabalhar”.
“Olha só. Tem uma máxima do Napoleão dizendo mais ou menos o seguinte: ‘enquanto o inimigo estiver fazendo um movimento errado, deixe-o à vontade’. No Brasil, no meu entender, o movimento errado é se preocupar apenas e tão somente com a questão do vírus. Tem o desemprego do lado. A esquerda tá quietinha. A esquerda tá quietinha. O povo precisa trabalhar”, disse Bolsonaro.
Ao ser indagado se Teich, que tomou posse há menos de um mês, pode ser trocado se não aceitar sua posição, Bolsonaro disse não é ele que está pedindo nem mandando e declarou que há “quase um consenso” na classe médica sobre a cloroquina.
“A gente está falando em vida. É vida que está em jogo. Tem muita gente que chega ao hospital, pelo que eu levantei, em especial Norte e Nordeste, que não é oferecida a cloroquina para ele. Simplesmente deita, dá uma alimentação ali ou um soro e espera ele se curar. Para nós, mais jovens, o tratamento é esse. Nós não, né? Porque eu estou com 65. Mas se eu for acometido eu tomo a cloroquina e ponto final, pô. Eu que decido minha vida. E tenho certeza que não vai faltar médico para receitar pra mim a cloroquina”.
O presidente comentou ainda o fato de a Advocacia-Geral da União (AGU) ter entregue, na noite anterior, os seus exames para detectar eventual contágio pelo novo coronavírus, após quase dois meses de negativas.
O pedido de apresentação dos laudos foi feito pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, que recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) após liminar do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STF), José Otávio Noronha, suspendendo uma decisão judicial que garantia o acesso ao documento. No Supremo, o relator do processo é o ministro Ricardo Lewandowski.
“O meu advogado chama-se dr. Levi, da AGU. O ministro vai decidir hoje, Lewandowski, deve decidir hoje à tarde, se dá a liminar, decide judicialmente se eu entrego ou não. Então já mandamos entregar pra ele e ele decide o que fazer”, declarou Bolsonaro.
Questionado se é favorável à divulgação dos exames, ele respondeu que está “fazendo valer a lei”, da qual é “escravo”. “E a lei diz que a intimidade… isso aí você não precisa divulgar. Por isso que eu desde o começo me neguei a negar. Agora alguns acham que eu tô mentindo. Já adianto: caíram do cavalo”, declarou.