Bolsonaro teme ser processado por crimes contra a Saúde
Foto: Adriano Machado/Reuters
Depois de chamar de gripezinha, de resfriadinho, de histeria, de neurose, de dizer que a pandemia de coronavírus não mataria 800 brasileiros, de propor um churrasco no dia das 10.000 mortes, de estimular e participar de protestos golpistas e aglomerações e de mandar o sonoro “e daí?” aos mortos na maior tragédia sanitária dos últimos tempos, o presidente Jair Bolsonaro editou nesta quinta uma medida provisória para livrar agentes públicos de responsabilização por “ação e omissão” em “atos relacionados com a pandemia de Covid-19”.
“Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de combate ao coronavírus”, diz a MP de Bolsonaro, também assinada pelo ministro da CGU, Wagner Rosário e Paulo Guedes.
O texto diz ainda que “o mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público”. Ou seja, o fato de Bolsonaro ter desmontado a gestão de Luiz Henrique Mandetta no ministério da Saúde por ciúmes de suas coletivas e entrevistas, não poderá ser usado contra o presidente, diante da letargia da pasta na pandemia.
Os passeios irresponsáveis de Bolsonaro durante o isolamento decretado nas cidades, a ausência do presidente na linha de frente da crise nos estados – ele sequer cogitou ver de perto o que acontece há semanas em Manaus ou em Belém – e a omissão do Planalto nas negociações com a China para compra de respiradores e insumos também não poderão ser usadas contra o presidente.
O artigo terceiro ilustra com rigor técnico o retrato da atuação de Bolsonaro até aqui, na pandemia. “Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados: os obstáculos e as dificuldades reais do agente público; a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público; a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência”, segue o texto.
O Ministério da Saúde divulgou nesta quarta a atualização do número de casos de coronavírus e de óbitos causados pela doença no país. Foram confirmados 11.385 novos casos nas ultimas 24 horas, o maior número desde o início da pandemia, 188.974 no total. O número de óbitos é o terceiro maior da pandemia e totalizou 749 registros em 24 horas. O total no país é de 13.149 mortes.
A MP de Bolsonaro, além de criar outra narrativa para o presidente continuar fugindo do assunto realmente importante, é apenas uma tentativa desesperada do presidente de escapar do buraco que ele mesmo cavou com esmero nessa crise. A medida provisória não deve ter vida longa no Congresso, ainda que o presidente tenha feito novas amizades com o centrão.
Se há uma coisa que pega nesses tempos de pandemia nas bancadas estaduais do Parlamento é o sentimento de revolta com a ação do presidente, que faz o discurso fácil enquanto os governadores arcam com o prejuízo da agenda de sacrifícios de gerenciar sistemas de saúde quebrados e impor às populações das cidades limites de circulação.
O efeito mais evidente da MP Bolsonaro é a confissão de culpa manifesta no seu texto. Bolsonaro, por interesses pessoais, jogou o país num escândalo de interferência política na Polícia Federal que levou à demissão do ministro Sergio Moro e dividiu a energia do governo enquanto os brasileiros, na casa das centenas, perdiam suas vidas por falta de respiradores e leitos nos hospitais. O presidente sabe que será salgada a conta de suas declarações, omissões, passeios de jet ski e festinhas na pandemia.