Brasileiros no exterior temem voltar ao Brasil

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Foto: Reprodução/Folha

Desde que a pandemia de coronavírus começou, a vida de quem trabalha em associações que prestam auxílio a imigrantes brasileiros no exterior virou “uma loucura” —segundo a definição da diretora de uma delas.

Na Holanda, um programa de retorno voluntário repatriou 200 brasileiros de março até agora, quando o normal é de 10 a 15 no mesmo período. Nos EUA, um grupo viu a demanda por ajuda crescer ao menos 200%.

Em Londres, a Casa do Brasil recebeu mais de mil emails só no primeiro mês de quarentena. Na Espanha, duas associações que atuam em regiões específicas passaram a receber pedidos de imigrantes do país todo e já atenderam mais de 600, quase 70% dos quais desempregados.

Sem renda devido à quarentena e sem dinheiro para o aluguel e até para a comida, muitos brasileiros enfrentam o dilema de aguentar os tempos difíceis ou voltar, desistindo do sonho de melhorar de vida em outro país. A situação é pior para os que estão em situação migratória irregular, pois geralmente não têm direito aos auxílios emergenciais dos governos locais.

Uma vez tomada a decisão de retornar, surgem barreiras: espaço aéreo fechado, cancelamentos pelas companhias, passagens inflacionadas e falta de lugar nos voos de repatriação —que priorizam turistas e viajantes temporários.

“No dia seguinte à quarentena, já entramos em estado de alarme. Tem famílias passando extrema necessidade, um grande número de mães com crianças, algumas sozinhas com até cinco filhos. Isso me tira o sono”, diz Maria Badet, presidente da associação Casa da Gente, em Barcelona.

Para Badet, o cenário deve se prolongar, e imigrantes que ainda não requereram ajuda podem precisar nos próximos meses. “Teremos uma grande recessão econômica. Mesmo quando as coisas reabrirem, os empregos não vão voltar no mesmo ritmo. Preocupa-nos muito o que está por vir.”

Ela defende que o governo brasileiro “olhe mais para o imigrante, e não só para o turista e o estudante de classe média” e invista na assistência emergencial consular. “A crítica não é aos funcionários consulares, mas ao sistema, que não prioriza o atendimento a essas pessoas. E são pessoas que ajudam no PIB do Brasil com o dinheiro que enviam.”

Segundo Badet, a decisão de retornar é tão difícil que há quem desista do voo na véspera. “É compreensível. Não é fácil voltar com uma mão na frente e outra atrás após um sonho dar errado. Ainda mais com o Brasil como está, com tantos casos de Covid-19.”

“Alguns vão embora aliviados, outros vão chorando, com a sensação de fracasso”, diz Marcos Viana, coordenador geral do Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior (CRBE), que reúne 56 conselhos pelo mundo. Há 13 anos na entidade, ele diz que nunca viu uma situação tão crítica para os imigrantes do país.

Viana mora na Holanda, onde atua em um projeto de retorno voluntário que atendeu 200 brasileiros desde o início da pandemia. Todos viviam irregularmente no país. “Quem tem permissão de residência acaba optando por não abrir mão disso por um retorno que pode ser temporário.”
O maior volume de pedidos foi logo no início da pandemia. “As pessoas entraram em pânico, projetaram um futuro sombrio. Agora, à medida que as restrições diminuem, muitas voltaram a acreditar que podem continuar aqui.”

Na Austrália desde 2018 com as duas filhas, Camila de Oliveira, 28, tenta se decidir entre ficar ou voltar. Ela trabalhava com promoção de eventos e em casas noturnas e ficou sem renda desde que a pandemia começou.

“Penso em voltar, mas estou muito triste com isso. Já morei aqui antes e quando retornei pro Brasil me senti deprimida. Aqui a gente trabalha muito, mas temos segurança, conseguimos pagar nossas coisas. Penso na qualidade de vida para as minhas filhas. Mas uma hora o dinheiro que economizei vai acabar.”

Também pesa na balança o fato de ela ter que recomeçar do zero no Brasil. Enquanto não há voos disponíveis entre os dois países, Camila avalia o que fará. “Vou levando, vendo até onde consigo suportar.”

Com um programa de retorno voluntário em vários países, a OIM (Organização Internacional para as Migrações) repatriou, desde março, 90 brasileiros. Bélgica, Portugal, Holanda, Espanha e Suíça foram as principais origens.

“O relato que recebemos da Europa é de que houve um aumento no número de pedidos de brasileiros. Tem turistas e estudantes, mas a maior dificuldade é dos trabalhadores imigrantes. Muitos deles atuavam com serviço doméstico ou no comércio, que foram totalmente impactados”, diz Guilherme Otero, coordenador de projetos da OIM.

O programa geralmente prioriza menores desacompanhados, imigrantes com problemas de saúde e vítimas de tráfico. “Na pandemia, estamos flexibilizando os critérios para atender o máximo de pessoas”, diz.

Segundo ele, em Portugal, por exemplo, migrantes laborais que ficaram desempregados têm sido incluídos. Nesse país, 90% dos que retornam são brasileiros. Há 190 na lista de espera, aguardando a retomada dos voos.

A Casa do Brasil em Londres, que também oferece um projeto de retorno voluntário, teve que driblar a escassez de voos para repatriar as pessoas que pedem ajuda.

“Até 6 de abril embarcamos muita gente. Aí os aeroportos fecharam, mas não paramos. Encaixamos os mais vulneráveis em voos de repatriação do Itamaraty e conseguimos rotas não convencionais, pela Etiópia e pelo Qatar”, conta a diretora, Vitória Nabas.

Ela diz que recebeu relatos de brasileiros dormindo até na rua em Londres. Mas, com o relaxamento da quarentena, alguns dos inscritos para voltar não precisam mais. “Na verdade a pessoa nunca quis voltar. Ela queria sobreviver.”

Nos EUA, apenas alguns estados, como a Califórnia, permitem que imigrantes sem documentos recebam o auxílio governamental. Em Massachusetts, onde isso não acontece e vários brasileiros trabalham no mercado informal, a situação está “desesperadora”, diz Heloísa Galvão, do Grupo Mulher Brasileira.

Segundo ela, mesmo que a lei não permita despejos de imóveis durante a pandemia, há um assédio de proprietários contra esses imigrantes. “Eles batem na porta, dizem que vão chamar a polícia. Está todo mundo apavorado.”

Na Espanha, a enfermeira Kállita Abreu, 23, dorme com o marido e o filho em um quarto emprestado temporariamente, após ter que deixar o espaço que alugava por não conseguir pagar. A família não teve tempo de criar raízes, pois chegou ao país em janeiro deste ano, financiando a viagem com a venda de um carro e uma rescisão trabalhista.

Em março, “veio o coronavírus e acabou com tudo”. “Meu esposo estava fazendo bicos de jardinagem, e eu, na limpeza. Ficamos sem ter para onde correr. Com o euro como está, esgotamos nossas reservas.”

A família conseguiu uma vaga em um voo de repatriação neste sábado (30). “Ficamos chateados de já ter que voltar. Sabíamos da possibilidade de dar errado, mas não tão rápido, não pelo motivo que foi. Mas com criança pequena e sem dinheiro, como vamos ficar aqui nessa incerteza?”

Folha