Contágios na Casa Branca atrapalham abertura de Trump

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: GETTY IMAGES

Em um momento em que muitas partes dos Estados Unidos começam a relaxar as restrições adotadas em resposta ao novo coronavírus, a notícia de que dois funcionários da Casa Branca receberam diagnóstico positivo nos últimos dias vem gerando dúvidas sobre a mensagem do governo americano de que é seguro voltar ao trabalho.

Na sexta-feira (08/05), Katie Miller, porta-voz do vice-presidente, Mike Pence, recebeu diagnóstico positivo de covid-19 (a doença causada pelo novo coronavírus). No dia anterior, foi um militar que trabalha na Casa Branca em contato próximo com o presidente Donald Trump.

Diante da crise econômica e desemprego sem precedentes provocados pela pandemia, Trump vem incentivando governadores americanos a começarem a abandonar medidas emergenciais impostas para conter o avanço do coronavírus e reabrir gradualmente a economia de seus Estados.

Mas especialistas em saúde alertam que a pandemia ainda não está controlada e que, caso as restrições sejam afrouxadas antes da hora, há o risco de uma explosão no número de novos casos.

Nesse cenário, o fato de que mesmo a Casa Branca — um dos locais de trabalho mais seguros do mundo, onde os funcionários têm acesso a testes e especialistas médicos de elite — não conseguiu ficar livre do vírus levanta questões sobre a capacidade de empregadores no resto do país de manter funcionários e clientes seguros.

“Se a Casa Branca anuncia (a confirmação de) casos, simplesmente pelo fato de ser a Casa Branca isso é preocupante”, diz à BBC News Brasil o professor de epidemiologia Joseph Eisenberg, da Universidade de Michigan.

“Por outro lado, quando abrirmos (a economia), devemos compreender que não estamos criando uma situação de risco zero. Estamos criando uma situação de risco baixo. Haverá situações em que casos vão surgir no local de trabalho. Queremos assegurar que isso seja raro, e não comum”, observa.

Os Estados Unidos são o principal epicentro da pandemia, com mais de 1,4 milhão de casos confirmados e mais de 85 mil mortos. Desde meados de março, a maior parte do país começou a adotar medidas de emergência para conter o avanço do coronavírus.

Essas medidas variam em cada Estado, mas incluem o fechamento de escolas, comércio e locais de lazer, a orientação de que, quando possível funcionários trabalhem de casa e a recomendação – ou, em alguns casos, obrigatoriedade — de que a população siga regras de distanciamento social e evite sair para a rua.

Mas, nas últimas semanas, vários Estados começaram a permitir a reabertura de alguns estabelecimentos, relaxar regras de distanciamento social e levantar restrições sobre a movimentação de pessoas. Alguns chegaram a registrar protestos de manifestantes armados exigindo a reabertura da economia.

“Nossa capacidade de testes é a MELHOR do mundo, de LONGE! Os números estão caindo na maior parte do nosso país, que quer reabrir e voltar a funcionar. Está acontecendo, de maneira segura!”, tuitou Trump nesta semana.

Mas especialistas em saúde salientam que, apesar da queda no número total de novos casos de covid-19 por dia no país, vários Estados e cidades ainda registram grande aumento na taxa diária de novas infecções.

Na terça (12/05), membros da força-tarefa criada pela Casa Branca para responder à pandemia disseram, em depoimento ao Senado — por videoconferência —, que o país ainda não tem capacidade para conter o aumento de casos que deverá ocorrer se a economia for reaberta muito rapidamente.

“Há o risco real de desencadear um surto que não conseguiremos controlar”, afirmou o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, Anthony Fauci, considerado o mais importante especialista em doenças infecciosas do país.

Segundo Fauci, isso poderia levar a “sofrimento e mortes que poderiam ser evitadas” e “atrasar o caminho para a recuperação econômica”.

Entre as lacunas mencionadas está a capacidade ainda insuficiente para testar e monitorar todos os que vão voltar a trabalhar e rastrear os contatos dos infectados.

Trump diz que a expansão do acesso a testes é parte crucial do plano para reabrir a economia americana de maneira gradual e segura e afirmou nesta semana que os Estados Unidos têm capacidade “inigualável”.

Os Estados Unidos realmente lideram no volume total de testes, com cerca de 10 milhões feitos até o momento. Mas quando comparado o número de testes per capita, esse total representa 3% da população, e fica atrás de vários outros países.

Atualmente, são realizados em média 280 mil testes por dia no país. Especialistas calculam que seria necessário pelo menos o triplo disso para reabrir a economia com segurança.

Para Eisenberg, da Universidade de Michigan, caso não surjam novos casos na Casa Branca, o episódio da semana passada pode se transformar em uma história de sucesso, mostrando a importância de realizar testes para identificar e isolar rapidamente pessoas contaminadas e como isso pode evitar a propagação do vírus no local de trabalho.

Mas o episódio também revela as limitações dos testes que, apesar de realizados regularmente na Casa Branca, não conseguiram impedir que os dois funcionários fossem contaminados.

“Pode acontecer. É o inimigo oculto”, disse Trump ao comentar os diagnósticos dos dois funcionários.

A notícia deixou muitos dos que trabalham na Casa Branca com medo de terem sido expostos. O militar diagnosticado faz parte de uma unidade de elite que tem contato direto com a família presidencial, com acesso à área residencial do complexo — inclusive à comida e à bebida consumidas pelo presidente.

Miller, a secretária de Imprensa do vice-presidente, atua na West Wing (Ala Oeste), onde fica o Salão Oval, o gabinete de trabalho de Trump. Além de acompanhar Pence em reuniões, também é porta-voz da força-tarefa em resposta ao coronavírus e é casada com um dos assessores mais próximos de Trump, Stephen Miller — cujo teste deu negativo.

Também há atualmente outros 11 casos de covid-19 em agentes do serviço secreto, segundo relatos da imprensa americana – mas não se sabe se algum deles atua na Casa Branca.

“Se você olhar para a Casa Branca como um local de trabalho, acho que é preciso adotar todas as outras medidas de prevenção (além da realização de testes)”, diz à BBC News Brasil a diretora dos programas de segurança e saúde no local de trabalho do Worker Institute, da Universidade Cornell, Nellie Brown.

Brown vem orientando empresas sobre como reabrir com segurança e ressalta que as medidas a serem adotadas incluem desde barreiras físicas, controle do fluxo de pessoas e reorganização de mesas de trabalho até mudanças de comportamento, como manter os distanciamento social, evitar abraços e apertos de mão e usar máscaras.

“Sempre que vemos imagens da Casa Branca, não há muita gente usando máscaras nem respeitando distanciamento social”, observa Brown.

Desde o início de abril o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, agência de pesquisa em saúde pública ligada ao Departamento de Saúde) recomenda que toda a população use máscaras em público.

Mas, até o surgimento dos casos na semana passada, poucos funcionários da Casa Branca seguiam a orientação. Além disso, muitos dizem que nem sempre é fácil manter distanciamento social no dia a dia no complexo.

Depois dos diagnósticos, foram implementadas novas medidas de segurança, entre elas a exigência de que os funcionários usem máscaras enquanto estiverem no prédio, exceto em suas próprias mesas de trabalho, e que respeitem regras de distanciamento social.

Todos os que trabalham em proximidade com Trump ou Pence, assim como visitantes, estão sendo testados diariamente. Também é realizada medição de temperatura de todos no complexo e limpeza profunda de locais de trabalho.

O CDC recomenda que qualquer pessoa que tenha tido contato próximo com alguém infectado pelo coronavírus fique em isolamento voluntário por duas semanas, o período de incubação do vírus, para evitar o risco de contaminar os outros.

Mas apesar do contato próximo com Miller, o vice-presidente, que lidera a força-tarefa de resposta ao coronavírus, decidiu não seguir a orientação. Os testes dele e de Trump deram negativo.

Trump e Pence anunciaram que passarão a manter um certo distanciamento um do outro, mas nenhum dos dois deve começar a usar máscaras.

O presidente não usou máscaras nem mesmo em um evento na semana passada, realizado após os diagnósticos dos funcionários, que teve a participação de veteranos da Segunda Guerra Mundial, todos com mais de 90 anos e, portanto, parte do grupo de risco.

A porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, disse que todas as recomendações dadas a empresas que têm trabalhadores essenciais estão sendo seguidas pela Casa Branca, e salientou que Trump e Pence são testados regularmente e que está sendo feito rastreamento das pessoas que estiveram em contato com os funcionários infectados.

Brown, da Universidade Cornell, ressalta que, em qualquer local de trabalho, pessoas em posições altas devem servir de modelo do comportamento que querem que os demais sigam.

“É desconcertante quando se vê uma dupla mensagem, de que você deve fazer isso, mas eu não preciso”, afirma.

Ela ressalta que os Estados Unidos têm pela frente o desafio de manter um equilíbrio difícil. “Como atenuar o sofrimento econômico enquanto, ao mesmo tempo, tentamos evitar uma segunda onda, mais casos.”

BBC