Denúncia de Moro indica caminho a investigadores
Foto: Jorge William / Agência O Globo
O inquérito que apura as supostas tentativas de interferências indevidas do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal (PF) entra nesta quarta-feira em uma nova fase, a partir da autorização de diversas diligências que buscam comprovar as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Apesar de ter dado indicações do caminho a ser seguido, o depoimento de Moro deixa perguntas a que os investigadores da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da PF terão que responder para que o caso avance.
O real motivo pelo qual Bolsonaro tem se esforçado para indicar uma pessoa de sua confiança para a Superintendência da PF no Rio é um dos principais pontos a ser elucidado. A expectativa dos investigadores era que a questão pudesse ser respondida por Moro, o que não aconteceu. O ex-ministro se limitou a dizer que Bolsonaro deveria ser questionado sobre o tema.
Nesta terça-feira, ao conversar com jornalistas, o presidente justificou: “O Rio é meu estado”. Ele citou, na sequência, a menção ao próprio nome feita por um porteiro na investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e cobrou da PF apurações sobre o episódio. A corporação, no entanto, não atua diretamente no caso, apenas o tangencia. O mesmo ocorre em outra investigação que interessa a Bolsonaro, sobre suspeitas de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro no Legislativo fluminense.
Uma das provas a ser obtida pela investigação é a gravação, em vídeo, de uma reunião do conselho de ministros do governo federal que ocorreu em 22 de abril e foi relatada por Moro no depoimento.
Nela, segundo o relato do ex-ministro, Bolsonaro disse que faria interferências em todos os ministérios e que, no caso específico do Ministério da Justiça, trocaria o diretor-geral da PF e o próprio ministro, caso não pudesse trocar o superintendente do Rio de Janeiro. O presidente teria ainda cobrado acesso a relatórios de inteligência da PF.
Moro afirma que todas essas reuniões eram registradas em vídeo e que as imagens comprovariam suas acusações. Em encontro posterior, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, teria afirmado que o tipo de relatório solicitado por Bolsonaro não tinha como ser fornecido. Heleno deve depor sobre o assunto.
Moro disse aos investigadores que tinha o costume de apagar suas mensagens mais antigas depois de ter sido alvo de ataques de hackers no ano passado. Por isso, o conteúdo das conversas entre ele e o presidente entregues à PF abrange apenas um período de aproximadamente 15 dias.
Dessa maneira, diálogos mais antigos — como o que incluiria a frase em que Bolsonaro teria dito “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro” — ainda não foram recuperados pela perícia.
Segundo fontes com acesso ao trabalho pericial, há no celular do ex-ministro mensagens do presidente que indicam pressão para troca da Superintendência da PF em Pernambuco e preocupação com inquéritos no STF. Os investigadores também analisam mensagens trocadas pelo ex-ministro com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).
Três ministros do núcleo militar foram citados por Moro como testemunhas das pressões do presidente na PF: Augusto Heleno (GSI), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Os depoimentos deles devem ser tomados nos próximos dias. Como serão ouvidos apenas no papel de testemunhas, todos têm a obrigação de falar a verdade e não podem ficar calados. Ainda não é possível saber se eles confirmarão as acusações do ex-ministro.
Há uma recomendação do Palácio do Planalto para que Heleno, Braga Netto e Ramos não façam declarações públicas sobre as declarações de Moro. Procurados pelo GLOBO, nenhum deles respondeu sobre a investigação. A pasta de Ramos informou que ainda não havia sido notificada sobre a investigação, e a de Heleno justificou que, devido ao andamento da apuração, “não cabe comentário no momento”.