Escritor qualifica governo de “reinado da estupidez”
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“Como vai a luta, aí? Estamos sob o reinado da estupidez”. Foi assim que o escritor e jornalista Fernando Jorge, de 92 anos, atendeu a reportagem do Broadcast/Estadão. Em meia hora, a conversa foi centrada no título de uma de suas obras, uma frase quase literalmente repetida pelo presidente Jair Bolsonaro na manhã de terça-feira, 5.
“Cale a Boca, Jornalista!”, lançado na década de 1980, relata ataques sofridos por profissionais da imprensa no Brasil desde a época imperial, com destaque para o período do regime militar, marcado por forte repressão, tortura e mortes. O título do livro, por mais atual que possa parecer, também surgiu de um militar como Bolsonaro.
Era dezembro de 1983, o general Newton Cruz, ex-chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI) e então responsável pelo Comando Militar em Brasília se irritou com o jornalista Honorio Dantas em uma entrevista coletiva sobre medidas de emergência adotadas na capital federal. “Cale a boca”, disse Cruz ao ser indagado. Após pedir para Dantas desligar o gravador e encerrar a entrevista, Cruz partiu para a agressão ao repórter.
Mesmo com pesquisas e relatos colhidos em oito anos para a primeira edição de seu livro, Fernando Jorge se diz impressionado com as falas e os constantes ataques do presidente à imprensa. “Os ataques à imprensa se sucedem ininterruptamente. É impressionante”, disse.
Ele citou também as agressões sofridas por profissionais no domingo, 3, em Brasília, durante manifestação em frente ao Palácio do Planalto. “Ele prega o ódio contra a imprensa e ele é responsável. E não se apiedou dos jornalistas agredidos”.
Fernando Jorge conta ter conhecido Bolsonaro em 1997 quando ambos participaram, ao lado do jornalista e à época deputado estadual Afanasio Jazadji, de um programa de televisão. Segundo o escritor, na antessala da emissora, antes de entrarem no estúdio, indagou o então deputado Bolsonaro se Fernando Henrique Cardoso (então presidente) teria consultado os militares para unificar os ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na pasta da Defesa.
Bolsonaro teria dito que os militares não foram consultados e foi provocado por Fernando Jorge. “Perguntei por que não houve protesto dos militares e ele disse que era porque não havia mais líderes nas Forças Armadas”. Em seguida, segundo seu relato, o escritor cobrou o então deputado se ele próprio não deveria ter protestado na tribuna da Câmara. “Ele respondeu que não, porque seu protesto não teria repercussão. (…) Depois comentei com Afanasio: ‘esse Jair Bolsonaro me deu a impressão de ser um homem tímido, medroso, ou qualquer coisa, né?'”.
Fernando Jorge diz que segue o provérbio de que “a obra que não tiver a colaboração do tempo, não resistirá à ação do próprio tempo”. Por isso, “Cale a Boca, Jornalista!” foi atualizado nas reedições e até ganhou como subtítulo “O ódio e a fúria dos mandões contra a imprensa brasileira”.
Mas, para o escritor, os ataques de Bolsonaro a jornalistas tornaram a obra incompleta. “Meu livro está incompleto e seria necessário escrever até um novo com o título ‘Cale a boca, Bolsonaro’. Mas pretendo, se Deus permitir, embora esteja na última fase da minha vida (atualizar a obra). Será um capítulo extenso, porque a quantidade de ataques é impressionante e sistemática”.
Aos 92 anos, Fernando Jorge se considera um “pré-cadáver” e segue em casa cumprindo a quarentena necessária para se proteger da covid-19. E cita mais dois provérbios antes de encerrar a conversa. “Tem aquele português que diz: boa romaria faz quem em sua casa fica em paz”, e outro, japonês: “perseverar é cair sete vezes e levantar-se oito”.
Este último, segundo ele, é para os que enfrentam situações difíceis. Inclusive os jornalistas.