
Governador do Pará acusa Bolsonaro de incitar contágio
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
“A mensagem do presidente da República contribuiu para a baixa adesão ao isolamento”, disse o governador do Pará, Hélder Barbalho (MDB). A declaração foi dada em entrevista ao GLOBO nesta segunda-feira. Nas últimas semanas, o Pará subiu no ranking dos estados com as maiores quantidades de casos e mortes causados pela Covid-19. Atualmente, o estado está sétimo lugar no ranking de casos, com 3.863 e é sexto colocado na quantidade de mortes: 309.
Ao GLOBO, Hélder disse que já admite a possibilidade de decretar medidas “no rumo do lockdown”, que consiste no bloqueio total das atividades do comércio e no uso das forças de segurança para garantir que as pessoas fiquem em isolamento. Segundo ele, a decretação dessas medidas dependerá da adesão da população nesta segunda-feira e amanhã ao isolamento social.
Nos últimos dias, o Amazonas se transformou em foco das atenções do governo por conta do aumento de casos e de mortes por lá. O Pará está indo na mesma direção?
O cenário aqui é grave, sobretudo na região metropolitana de Belém. Se não fosse a chegada desse equipamentos (139 respiradores comprados pelo governo do Pará de um fornecedor chinês chegaram nesta segunda-feira a Belém), acho que a gente caminharia para uma situação parecida. Agora, vamos ter condições de diminuir a lista de espera por UTIs, mas ainda vamos precisar ampliar a nossa capacidade por leitos clínicos. Esses equipamentos chegam para evitar o colapso.
Nas últimas semanas, o Pará vem subindo no ranking dos estados em números de casos e de mortes. Como se chegou a esse cenário?
Há uma grande procura pela estrutura hospitalar porque estamos diante de uma síndrome respiratória aguda de Covid-19 e de H1N1. Isso fez com que houvesse uma soma de pacientes e pessoas com essa dificuldade e buscando a rede hospitalar seja pública ou privada. Desde o dia 16 de março, adotamos as medidas restritivas de isolamento. A nossa média é 45%.
A taxa de adesão ao isolamento social no Pará é baixa se comparada a outros estados. Por que essa adesão é baixa? O governo do estado falhou?
A adesão é baixa, sim, apesar do que, em nosso monitoramento, o Pará aparece sempre entre os 10 ou 12 estados com a maior adesão. Mas é abaixo do que a gente gostaria. Temos que avançar numa estratégia de convencimento das pessoas sobre a importância dessas medidas.
Há pedidos tramitando na Justiça Federal para que o estado adote medidas ainda mais restritivas em relação ao distanciamento social. O senhor é favorável ao chamado “lockdown”, ou bloqueio total?
Nós faremos isto em sendo necessário. Eu fiz um último apelo na sexta-feira passada, pedindo que as pessoas possam nos ajudar e, caso isto não tenha resposta até amanhã, tomaremos medidas no sentido de fortalecer as restrições em municípios que apresentam um percentual elevado de casos e de mortes. Isso aconteceria na Região Metropolitana de Belém e num conjunto de 17 ou 18 municípios onde estão concentrados mais de 90% dos casos e dos óbitos.
Mas o que seria exatamente esse aumento das medidas restritivas ao qual o senhor se referiu? Seria o “lockdown”?
Aí é no rumo do “lockdown”, sim. Vamos avaliar a adesão hoje e amanhã para implementação dessas medidas caso os índices de isolamento social forem baixos. O dia de hoje será determinante para que possamos fazer o aferimento de como a população vai responder a isto.
Ao que o senhor atribui essa baixa adesão?
Eu acho que é preciso entender a vida das pessoas. Não é simples você convencer as pessoas a ficarem em casa. E também não é simples convencer pessoas que precisam sair de casa a ficarem isoladas. Mas, acho que temos que separar as situações. Há casos e casos. Há as pessoas que estão convencidas que precisam ficar em casa, mas que, por uma impossibilidade, acabam não ficando. E têm pessoas que simplesmente não estão convencidas de que o isolamento é a melhor alternativas. Temos que separar os que estão convencidos daqueles que se expõe ao risco de serem infectados ou de infectar os outros porque minimizam a doença.
O presidente Jair Bolsonaro já chamou a Covid-19 de “gripezinha” e critica medidas de isolamento social adotadas nos estados. O senhor acha que ele teve influência na baixa adesão em estados como o Pará?
A mensagem de um líder que vá na contramão da ciência, inevitavelmente, prejudica e dificulta o trabalho para que nós possamos ter uma mensagem única de esclarecimento pautado na ciência, na medicina, nas questões técnicas. Portanto, para aqueles que não se convenceram da gravidade da Covid-19, seguramente, a mensagem do presidente da República contribuiu para a baixa adesão ao isolamento.
O presidente tem dito que a responsabilidade pelas mortes da Covid-19 e pelo impacto econômico deve ser cobrada dos governadores que impuseram medidas de distanciamento social. Como o senhor responde a essas críticas?
Eu me nego a entrar nessa polêmica porque acho que, nesse momento, devemos ter apenas um adversário: o coronavírus. Politizar, trazer a defesa da vida para o campo da política… eu me nego a entrar nessa discussão. A vida deve estar sempre em primeiro lugar, sem que nos esqueçamos de que as pessoas precisam garantir a sua renda, garantir o seu ganha-pão. Não aceito entrar neste campo de politizar a vida e sofrimento das pessoas.
Como o senhor avalia a participação do presidente Bolsonaro em manifestações com pautas antidemocráticas como a de ontem?
Avalio com preocupação. Primeiro por entender que nós devemos todos estar unidos para enfrentar o único inimigo que hoje deve tomar nossas energias, que é o coronavírus. Toda manifestação que não esteja neste caminho, no meu entendimento, é equivocada. Por outro lado, entendo que nós devemos fortalecer a democracia, fortalecer os poderes, garantir a independência dos poderes, mas que essa independência seja pautada na preservação do Estado de democrático de direito. O Brasil está vivendo um momento triste e singular da sua história e o que a população espera dos seus líderes é que eles possam levá-la em uma direção em que a dor seja menor.
Nas últimas semanas, o presidente Bolsonaro acenou com a possibilidade de ceder cargos no segundo e terceiro escalão a indicados do chamado “Centrão”. Como o senhor avalia essa estratégia considerando que o grupo era duramente criticado pelo presidente?
O presidente deve sempre buscar a governabilidade e deve entender que, para que haja governabilidade, ele deve dialogar com o Congresso Nacional. Isto é algo que deve ser visto como uma posição pragmática do presidente que busca a governabilidade. Agora, o que tem que se saber é: o que é que está colocado na mesa? Qual o custo dessa governabilidade? E eu não sei qual será o custo dessa governabilidade. Me parece um movimento de um presidente que deve ter compreendido que o mundo real exige diálogo.