Impeachment está amadurecendo
Foto: Pedro Ladeira – 15.abr.16/Folhapress
Não é a cloroquina e, até por isso, a receita é certa: um chefe de Executivo impopular, em minoria parlamentar, amarrado em contexto de agitações populares e crise econômica, tende a sofrer processo de impeachment.
Isso vale para presidentes da República, para governadores e prefeitos. Essa combinação de fatores, todos dramáticos, aliados à tipificação de ao menos uma conduta presidencial como crime de responsabilidade, é necessária para que o impeachment, o instrumento último de controle do soberano na Constituição, seja usado. É uma combinação necessária, mas não suficiente.
Entender como ocorre um impeachment que efetivamente termine com o afastamento do cargo nos parece crucial no momento em que milhões de brasileiros pensam diariamente na saída de Jair Bolsonaro da Presidência.
Cerca de metade da população já apoia a renúncia e o impeachment, de acordo com pesquisa Datafolha realizada no dia 27 de abril, e esse número está em tendência de alta em comparação às pesquisas anteriores.
Desde que a atual lei dos crimes de responsabilidade (a lei 1.079/50) foi sancionada, em abril de 1950, três presidentes da República sofreram processos de impeachment.
Foram eles: Getúlio Vargas, com votação na Câmara em junho de 1954; Fernando Collor, com a sessão dos deputados em setembro de 1992; e Dilma Rousseff, cuja votação na Câmara ocorreu há quatro anos.
Collor e Dilma tiveram os processos aprovados, fazendo o caso seguir adiante para o Senado, a Casa responsável pelo julgamento.
Já Vargas, não. O presidente gaúcho obteve maioria na Câmara, e o impeachment foi natimorto. Por que isso ocorreu? Na superfície, os cenários eram muito semelhantes. Como vimos, a lei era a mesma.
Vargas vinha de um ano de enormes dificuldades, com avanço da inflação em 1953, ano marcado pela histórica “greve dos 100 mil”, especialmente simbólica por determinar uma rachadura justamente no movimento sindical que fora apoiado pelo presidente gaúcho.
O presidente fizera uma reforma ministerial e a política econômica sofria da sangria cambial, com desvalorização do cruzeiro, e de investigações da imprensa e dos órgãos de controle, notadamente sobre o Banco do Brasil. Por fim, Vargas governava apenas com o seu PTB (apenas a terceira maior bancada do Congresso) e o fisiológico PSP, do vice, Café Filho, àquela altura já afastado politicamente do presidente.
Condições propícias. Os casos de Collor e Dilma, mais quentes na memória nacional, são semelhantes. Ambos em minoria parlamentar —Collor ainda mais do que Dilma—, sofrendo de crise econômica —especialmente aguda entre 2015 e 2016, enquanto que em 1992, também ano de recessão, o principal problema era a hiperinflação. As agitações sociais eram evidentes. Dos rostos pintados contra Collor às volumosas concentrações de ruas contra Dilma.
Ainda assim, Vargas venceu a tensa votação na Câmara, realizada a 16 de junho de 1954. Collor foi derrotado, e Dilma também.
Aqui emerge a principal diferença. Ela é fundamental, também, para refletir sobre o que ocorre no Brasil de 2020.
Vargas, em junho de 1954, estava muito próximo de seu ocaso político. Evidentemente que ninguém, possivelmente nem o presidente àquela altura, pudesse supor que menos de dois meses depois do processo ele cometeria suicídio. No entanto, faltava apenas um ano e meio para as eleições gerais de 1955 e, naquela época, não era permitida a reeleição.
Diversos deputados citaram a vontade de votar pelo impeachment de Vargas, mas que não dariam a ele a oportunidade de deixar o governo como “vítima”. Foi uma decisão política da maioria da Câmara naquele dia para que Vargas continuasse a sangrar no cargo.
Já Collor fora eleito para um mandato de cinco anos e, em meados de 1992, ainda tinha mais da metade do mandato pela frente. Exatamente como Dilma, no início de 2016.
O tempo de mandato não só pesava diante daqueles que não suportavam mais o(a) presidente, como nos parece ser uma variável tão importante quanto as demais —perda de popularidade, crise econômica, minoria parlamentar, agitações sociais— para explicar o impeachment que termina com o afastamento.
Este achado, fruto de pesquisa e reflexão, pode ser extrapolado para organizações institucionais semelhantes, como o impeachment do presidente americano, Donald Trump, que terminou com sua vitória no Senado três meses atrás, ou mesmo para votações unicamerais, como os casos do ex-governador de Minas Gerais Fernando Pimentel em 2018 e do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, em 2019.
Assim, levando-se em consideração a observação histórica cotejada com estudos de caso, entendemos que as chances de sucesso para o afastamento de Bolsonaro via impeachment são maiores caso o processo ocorra ainda em 2020.
Distanciamento do presidente com o Parlamento, recessão econômica em meio a (negligência presidencial em) uma pandemia de saúde pública, panelaços constantes nas principais cidades do país, diversas condutas abusivas passíveis de enquadramento como crime de responsabilidade já existem. Todavia, a janela temporal não continuará aberta para sempre.