Médicos reclamam da imposição oficial da cloroquina
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O SUS (Sistema Único de Saúde) possui uma série de protocolos para diagnóstico e terapia de enfermidades. O que o governo federal fez agora, ao emitir o protocolo (não publicado no Diário Oficial) para uso da cloroquina, foi mostrar qual seria o comportamento ideal do corpo clínico ao se deparar com um caso concreto de coronavírus.
Soa estranho que o presidente da República queira interferir na conduta médica diante da covid-19, sobretudo quando pensamos que, como estamos diante de uma pandemia e hoje somos o terceiro país em número de mortes, muitos médicos de diferentes áreas estão trabalhando na linha de frente contra a doença, inclusive médicos não especializados ou ainda residentes.
Ou seja, imaginando que um ortopedista ou um pediatra que não esteja habituado a lidar com casos de coronavírus nem com seus quadros complicadores como a pneumonia e a falência respiratória, certamente ele irá pesquisar o protocolo do SUS para covid-19 para saber como agir.
O grande problema é que esse tipo de protocolo é elaborado por profissionais da área técnica da saúde, com base em estudos, minuciosos e específicos, nacionais e internacionais, o que sabemos que não foi feito agora com a cloroquina.
Além disso, não existem estudos sérios conclusivos sobre a real eficácia da cloroquina no tratamento e cura da covid-19. O que se sabe é que, embora a medicação seja de largo uso na medicina, sobretudo para tratar malária e doenças autoimunes, ele tem sérios efeitos colaterais que podem até mesmo levar o paciente à morte.
Dito isso, podemos entender que o médico que não é especialista se sentirá inseguro e, por isso, tende a ministrar a cloroquina aos primeiros sinais da covid-19. Pior do que isso, é o caso dos médicos infectologistas, por exemplo, que estão habituados com o tipo de quadro do coronavírus, mas se sentirão obviamente pressionados a usar a cloroquina mesmo diante de tantas dúvidas.
Vale lembrar que o protocolo não é uma obrigatoriedade, portanto, o médico pode optar por outra terapia medicamentosa, principalmente quando tiver a certeza de que o risco da cloroquina é maior do que seu benefício, a exemplo de pacientes cardiopatas.
Mas, mesmo não sendo uma diretriz obrigatória, o protocolo é uma forma de pressão. Vamos supor que o médico do SUS não use a cloroquina em um paciente diagnosticado com coronavírus, por achar que é arriscado, mas esse paciente vem a óbito. A família pode buscar a responsabilização do Estado e do médico pela morte em razão de não seguimento de protocolo.
E mesmo que haja o uso do protocolo e ocorra o óbito, eventual declaração assinada pelo paciente ou familiar quanto à compreensão do risco, não eliminará possibilidade de responsabilização, pois o protocolo não foi pautado em estudos científicos.
É uma situação perigosa. O protocolo deixa nas mãos do médico a decisão de qual tratamento seguir, embora oriente o uso da cloroquina. Por outro lado, apesar dessa liberdade, a tendência é que o profissional da saúde se sinta pressionado a usar a cloroquina para não vir a ser culpado. É uma questão muito sensível e que certamente coloca os médicos brasileiros na berlinda.
*Daniel Lamounier, mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, professor de Direito e autor de livros jurídicos