Não tem mais ninguém na frente de Zambelli
Foto: HUGO BARRETO/METRÓPOLES
Eleita com 76.306 votos em 2018 na esteira do antipetismo e do bolsonarismo, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) tem se configurado numa espécie de auxiliar informal do governo em momentos de crise e esteve no centro de dois eventos recentes capitais para o Palácio do Planalto: a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e da atriz Regina Duarte da Secretaria Especial da Cultura.
Depois da polêmica troca de mensagens com Moro, na qual a deputada procurou evitar a saída do ex-juiz e sugeriu que ele teria uma vaga garantida no Supremo Tribunal Federal – diálogo incluído no inquérito que apura se Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal –, Carla Zambelli assumiu a missão de resolver a crise com Regina Duarte, de quem tornou-se amiga e conselheira.
Bolsonaro pediu à deputada que encontrasse uma saída honrosa para a atriz: “Veja o que pode fazer para deixar a Regina feliz. Ela deixou a Rede Globo e me sinto responsável”, instruiu o presidente.
Após encerrar um contrato de 50 anos com a emissora para entrar no governo, Regina Duarte reclamava que recebia pouca atenção de Bolsonaro enquanto passava por um processo de fritura no cargo e era atacada por colegas de profissão. Desgastada e sendo obrigada a aceitar a ingerência do governo na montagem de sua equipe, Regina falava em voltar para São Paulo e montar um canal no YouTube. Carla então ficou de marcar um café da manhã dela com Bolsonaro para apaziguar os ânimos.
A atriz e a deputada se conheceram em 2018 em um evento de criação de um colégio militar na capital paulista. Desde então, ficaram próximas e tornaram-se confidentes. Em um primeiro momento, Carla se ofereceu para melhorar a comunicação da secretaria, o que foi feito com autorização do Planalto. A deputada então montou um grupo de voluntários, sendo que um dos integrantes do time escalado para fazer vídeos e lives foi o ator e roteirista Mário Frias, ex-global (que se tornou conhecido como personagem do seriado Malhação no ano 1990) e bolsonarista militante.
A deputada conta que a ideia inicial era que fossem produzidos 15 vídeos. Frias então desembarcou em Brasília e a presença dele foi informada pela deputada ao presidente. “É aquele ator que tem me defendido nas redes?”, questionou Bolsonaro, que o convidou para um café da manhã. A empatia entre os dois foi imediata e Frias acabou passando um dia inteiro com Bolsonaro, o que gerou mais especulações sobre a “fritura” de Regina Duarte. O ator passou então a ser cotado como sucessor dela na Secretaria.
Também foi de Carla Zambelli a sugestão de oferecer à atriz o comando da Cinemateca. O protagonismo da deputada no caso virou foco de reclamação no entorno do presidente: após o episódio, recebeu mensagens que a aconselhavam a sair dos holofotes. Mas também houve outras de apoio, conta.
Sobre o episódio com Moro, Carla Zambelli disse que tomou a iniciativa de procurá-lo após falar com o chefe da Secretaria de Comunicação, Fabio Wajngarten, e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, mas alegou que não consultou Bolsonaro. “Se eu tivesse falado direto com o presidente, não teria pedido para o Moro ficar. Eu estava com os olhos vidrados no juiz da Lava Jato, mas Moro tinha uma agenda desarmamentista. O presidente não fazia questão dele ficar”, disse Zambelli ao Estadão. Ainda segundo a deputada, a admiração pelo juiz da Lava Jato – que foi um dos padrinhos de seu casamento, em fevereiro – foi “substituída por decepção”.
Segundo a parlamentar, a aproximação dela com Bolsonaro se deu após o rompimento da também deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) com o governo. Segundo Carla Zambelli, Joice a “bloqueava” do contato com Bolsonaro e fazia intrigas. “Bolsonaro ficou quatro meses sem falar comigo na campanha por causa da Joice, que inventou mentiras de que eu usava drogas e teria feito um aborto.”
As duas foram amigas e participaram juntas do movimento pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT). Foi Carla Zambelli quem abriu espaço para Joice no carro de som do grupo Nas Ruas, o que ajudou a projetar a jornalista nos grupos de direita. “Quem trouxe ela (Joice) para os movimentos de rua fui eu”, disse.
“O Bolsonaro nunca gostou da Carla Zambelli. Sempre tratou ela como lixo. Alguma coisa aconteceu em um evento no Rio Grande do Sul quando os dois se encontraram. Depois disso, o Bolsonaro começou a tratá-la muito mal. Na época éramos amigas e ela reclamava desse tratamento. Ele chegou a mandar a Carla descer de um trio elétrico. Ele dizia: ‘Tire essa mulher perto de mim’. Eu não tive nada a ver com isso”, disse Joice ao Estadão. Procurada, a assessoria de comunicação do Palácio do Planalto não se manifestou.
Na opinião da advogada Karina Kufa, próxima de Bolsonaro, o episódio de rompimento com o PSL teve uma um papel importante para que Carla Zambelli ganhasse a confiança do presidente. Na ocasião, 25 deputados decidiram romper com o partido e permanecer na base de apoio do mandatário. “O presidente viu, naqueles 25, pessoas de extrema confiança, dispostas a ficar praticamente sem legenda até construir o novo partido, ficar sem comissões, sem fundo eleitoral. Nesse momento, a Carla foi muito incisiva”, afirmou.
Dois meses depois, Zambelli se casou com o coronel Aginaldo de Oliveira, diretor da Força Nacional de Segurança amigo de amigos de Bolsonaro. A cerimônia, além de Moro, contou com a presença do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e Regina Duarte. “Esse movimento de rompimento do PSL foi muito agregador e ele (Bolsonaro) viu em quem ele poderia confiar”, disse Karina Kufa.
O também deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) conheceu Carla Zambelli no contexto do ativismo pelo impeachment de Dilma. “A Carla estava envolvida nisso já quando eu entrei”, disse ao Estadão. Embora estivessem em grupos diferentes – ela era líder do Nas Ruas e tinha vínculo com o Revoltados Online enquanto ele era, em um primeiro momento, do Vem Pra Rua e do MBL e, em um segundo momento, fundador do Acorda Brasil – ambos tinham contato.
“Havia uma necessidade de comunicação porque são poucos mobilizadores, se você for ver, são 20 ou 30 pessoas que organizam movimentos no Brasil inteiro. Em São Paulo, tinha uma dúzia que fazia toda a mobilização e a Carla era uma delas”, afirmou, acrescentando que Carla Zambelli tinha capacidade de vontade de agregar todos e organizava eventos conjuntos.
“O mandato dela é informar o que está acontecendo na dinâmica de Congresso de um ponto de vista ativista”, afirmou, sobre a proximidade da parlamentar com suas bases. Ele afirma que não teve influência quando Carla Zambelli passou a adotar uma visão simpática ao regime monarquista. “Um dia ela que me disse: ‘Fiquei estudando lá seu tio e achei que é isso aí mesmo’”, explicou, em referência ao chefe da Família Imperial brasileira e defensor da restauração monárquica, Dom Luiz Gastão de Orleans e Bragança. “É uma pessoa autêntica, com um coração muito grande e que quer fazer o bem”, concluiu.
Hoje, porém, Carla Zambelli relativiza seu apoio à monarquia. “O Brasil não está preparado para a monarquia, eu defendo a reeleição do presidente”, afirmou.
Sobre 2022, a parlamentar considera Ciro Gomes (PDT) um eventual adversário mais forte contra Bolsonaro e desdenha de Moro como potencial rival na direita. “Ciro pega boa parte da esquerda e centro. Ele fala muito bem quando está sóbrio. Lula está morto politicamente e Doria não terá expressão nacional.” Procurada a assessoria de Ciro não se manifestou.
Carla Zambelli era gerente de projetos da KPMG em São Paulo quando tornou-se líder do movimento Nas Ruas, uma das organizações que lideraram o movimento pelo impeachment de Dilma. Em 2013, conta ela, sua irmã, Paula Zambelli, assinou um manifesto do Mackenzie contra Bolsonaro. O presidente, depois, chegou a questioná-la sobre o episódio. À irmã, disse: “Use outro sobrenome ou vou para o embate com você”. Ela conta que o pedido foi acatado. “Minha irmã é de centro-esquerda”, contou.