PF vai periciar câmera que gravou reunião ministerial
Foto: Foto: Marcos Correa / Agência O Globo
A Polícia Federal recolheu, nesta segunda-feira (25), a câmera usada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República para registrar a reunião ministerial de 22 de abril. O equipamento será periciado na tentativa de identificar se houve edição no vídeo entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A reunião foi apontada pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, como prova de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir em investigações da Polícia Federal. Em depoimento após deixar o governo, Moro disse ter sido pressionado nesse encontro para trocar o comando da direção-geral da PF e da superintendência da corporação no Rio de Janeiro.
Fontes confirmaram à TV Globo que agentes da PF compareceram ao Planalto, e que a câmera usada foi apreendida. Não há prazo definido para a conclusão da perícia.
Em um ofício recebido pela Secretaria-Geral da Presidência da República, o ministro Celso de Mello, relator do caso no STF, pede que:
“sejam encaminhados os equipamentos que realizaram as gravações (câmeras);”
“sejam encaminhadas as mídias originais onde as gravações foram primeiramente registradas (cartão ou dispositivo de memória externo, se houver);”
“seja informado o histórico ALEGADO acerca da mídia original (cartão de memória, por exemplo), ou seja, se foi alegadamente reutilizada, formatada ou sofreu qualquer outro procedimento, com detalhamento sobre os procedimentos realizados;”
“seja informado o histórico ALEGADO acerca dos arquivos de vídeo encaminhados, ou seja, se foram alegadamente submetidos a conversões de formato, compressões ou quaisquer outros processamentos que não lhe tenham alterado o conteúdo originalmente registrado.
Em caso positivo, informar detalhadamente quais são as alegações sobre o que foi feito;”
Quando entregou o material ao Supremo Tribunal Federal, em 15 de maio, a Advocacia-Geral da União (AGU) disse ter fornecido a íntegra do registro. Celso de Mello havia dado 72 horas para o governo entregar a gravação, e o prazo foi cumprido.
Ao comentar sobre o vídeo, desde que a entrega foi solicitada pelo STF, Jair Bolsonaro afirmou diversas vezes que o material deveria ter sido destruído, e que a gravação tinha o objetivo de captar imagens para uso publicitário.
Apesar disso, o presidente disse que não via problema na divulgação do material, especialmente nos trechos em que há menção à Polícia Federal.
Bolsonaro, assim como a Advocacia-Geral da União (AGU), ressalvaram que a reunião incluía comentários sobre “nações amigas”, e que a divulgação poderia afetar a posição do Brasil no exterior. Esses trechos foram suprimidos quando o ministro Celso de Mello derrubou o sigilo da reunião.
O vídeo, assim como os depoimentos e todos os outros elementos do inquérito, será analisado pelo procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, a quem cabe apresentar ou não uma denúncia contra Bolsonaro. O STF só pode abrir processo sobre o tema se houver essa denúncia.
O inquérito da Polícia Federal foi aberto após Sergio Moro pedir demissão do cargo, em 24 de abril, e declarar que o presidente Jair Bolsonaro tinha tentado interferir na Polícia Federal.
Em depoimento, já com o inquérito autorizado pelo STF, Moro afirmou que, na reunião agora tornada pública, Bolsonaro fez pressão por trocas na direção-geral da PF e na superintendência da corporação no Rio de Janeiro.
O objetivo, segundo o depoimento de Moro, era obter informações e relatórios de inteligência sobre investigações em andamento.
No vídeo, Bolsonaro cita a PF e essas informações em dois trechos. Em um, ele diz: “Não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”.
“E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção. Nos bancos eu falo com o Paulo Guedes, se tiver que interferir. Nunca tive problema com ele, zero problema com Paulo Guedes. Agora os demais, vou! Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”.
“Eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. ABIN tem os seus problemas, tenho algumas informações. Só não tenho mais porque tá faltando, realmente, temos problemas, pô! Aparelhamento etc. Mas a gente num pode viver sem informação.”
Em outro trecho, Bolsonaro diz que tem um “sistema particular” de informações que funciona, e que o sistema oficial desinforma.
“Sistemas de informações: o meu funciona. […] O meu particular funciona. Os ofi… que tem oficialmente, desinforma. E voltando ao … ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, disse o presidente .
24 de abril, manhã: Sergio Moro se demite do cargo de Ministro da Justiça, e diz que Jair Bolsonaro interferiu na PF ao demitir o então diretor-geral do órgão, Maurício Valeixo, e insistir na troca do comando da PF no Rio de Janeiro.
24 de abril, tarde: Jair Bolsonaro faz pronunciamento cercado pela maioria de seus ministros e diz que Moro propôs aceitar demissão de diretor da PF se fosse indicado ministro do STF. O presidente nega interferência mas diz que pedia a Moro, e nunca obteve, um relatório diário das atividades da PF para poder tomar decisões de governo.
24 de abril, noite: Jornal Nacional revela parte das mensagens trocadas entre o ex-ministro e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), em que ela tentava convencer Moro a permanecer no cargo.
24 de abril: Procurador-geral da República, Augusto Aras, solicita abertura de inquérito para apurar declarações de Moro
27 de abril: Celso de Mello autoriza inquérito no STF para apurar declarações de Moro com acusações a Bolsonaro
2 de maio: Ex-ministro Sergio Moro presta depoimento de mais de 8 horas na sede da PF em Curitiba
6 de maio: Celso de Mello determina que vídeo seja entregue pelo governo em 72 horas
6 de maio: AGU vai ao STF para tentar rever decisão que mandou entregar vídeo de reunião citada por Moro
9 de maio: PGR pede acesso à integra do vídeo de reunião entre Bolsonaro e Moro
14 de maio: Divulgada a íntegra da troca de mensagens entre Moro e Zambelli; deputada diz a Moro que Bolsonaro ‘vai cair se o sr. sair’
14 de maio: AGU pede ao STF que libere somente as falas do presidente Jair Bolsonaro; defesa de Moro alega que a petição omite trechos relevantes para a compreensão correta da fala do presidente, e reforça pedido para publicar vídeo na íntegra.
15 de maio: Jair Bolsonaro admite, pela primeira vez, que citou a PF no vídeo da reunião ministerial e confirmou que a transcrição da Advocacia-Geral da União está correta.
19 de maio: Celso de Mello assiste à íntegra do vídeo da reunião ministerial
24 de maio: Celso de Mello divulga o vídeo da reunião