Recém chegados ao Brasil temem xenofobia e aprendem português
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Rosa Pincon, 48 anos, estava no Brasil há apenas dois meses quando começou o isolamento social para conter a epidemia do coronavírus. Além de dificultar que continuasse procurando emprego, a venezuelana também percebeu que, nesse período, teria menos oportunidade de continuar aprendendo a falar português.
“Antes de chegar a São Paulo estava preocupada por não falar português, mas vi que as pessoas são pacientes e querem ensinar. Tinha aprendido muito nesse tempo, mas trancada em casa e sem contato com quase ninguém é difícil”, contou Rosa, que saiu com o filho de 26 anos da Venezuela por causa da profunda crise política e econômica.
Por indicação de amigos, ela soube que um dos cursos presenciais para o qual tentava vaga tinha aberto turmas para aulas online. Oferecido pelos alunos de graduação do Instituto Singularidades, o curso tem cem vagas e uma lista de espera com mais de 300 estrangeiros.
Além da necessidade de manter o contato com a língua durante o isolamento, os estrangeiros querem concluir o curso já que essa é atualmente a opção mais rápida para conseguir comprovação de ter proficiência em português.
Para obter a naturalização brasileira, a Polícia Federal exige documento que comprove o domínio da língua. Os certificados considerados mais simples são o de conclusão de curso de português direcionado especificamente para estrangeiros em instituição de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação ou o resultado do exame Celpe-Bras, que teve a edição do primeiro semestre deste ano cancelada por causa da epidemia.
“Além de quererem aprender a falar melhor português, eles têm a necessidade e a urgência pelo diploma para conseguir a naturalização. Muitos dos alunos têm um bom domínio da língua, mas nos procuram porque é um documento exigido”, disse Olívia Nakaema, que coordena o projeto de extensão de aulas aos estrangeiros.
Assim que as aulas presenciais foram interrompidas em São Paulo, Olívia e os alunos de graduação, que dão o curso de idioma para os estrangeiros, buscaram alternativas para não interromper as atividades do projeto. “Sabemos da urgência e importância das aulas para eles e que não poderíamos parar. Até porque, com a crise econômica que vai se agravar nos próximos meses, eles podem sofrer ainda mais para conseguir um emprego sem falar bem português ou sem a naturalização.”
Para manter as aulas com recursos que fossem acessíveis, eles decidiram montar atividades que pudessem ser feitas apenas pelo celular e com pouca demanda de rede de internet. Assim, o curso é feito pelo WhatsApp, com troca de mensagens, áudio e vídeos, enviados pelos professores e alunos.
Abdalmasih Alkhalil, 31, chegou da Síria ao Brasil há três anos e, por trabalhar com a venda de acessórios de celular no centro de São Paulo, aprendeu a se comunicar em português. Neste ano, ele tinha iniciado o curso de idioma para entrar com o processo na Polícia Federal. Fez algumas aulas presenciais, que foram interrompidas pela epidemia.
“Estava gostando muito, era bom conhecer outros estrangeiros e conversar. Mas as aulas a distância estão sendo muito boas também e tenho aprendido até mais, porque agora estudo um pouquinho todo dia”, contou. Ele recebe diariamente lições no WhatsApp e grava áudios ou vídeos para o professor, que responde com correções e orientações.
Com a guerra em seu país, Alkhalil disse que o Brasil se tornou a sua casa e não quer ir embora. Ele tem medo que a receptividade a estrangeiros mude com a epidemia e a crise financeira.
“Não me importo com um papel porque já me sinto brasileiro, mas sinto que agora é mais importante que eu tenha a naturalização e também que fale um português muito bom para sempre ter emprego e continuar sendo bem tratado”, afirma.