Seis episódios comprovam interferência de Bolsonaro na PF
Foto: Marcos Correa / divulgação
O vídeo da reunião ministerial do último dia 22 de abril mostra que o presidente Jair Bolsonaro estava claramente insatisfeito com a Polícia Federal. Falando em tom irritado, em um primeiro momento Bolsonaro reclama que a PF não lhe fornecia informações de inteligência adequadas e que ele estava desinformado em assuntos do seu interesse. Quando discursa, Bolsonaro afirma: “Vou interferir”, e olha diretamente para o então ministro Sergio Moro. “E ponto final, pô!”, complementa, voltando o olhar para o centro da câmera.
Em um segundo momento da reunião, o presidente reclamou: “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final!”.
Para os investigadores da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Polícia Federal, a declaração foi uma clara referência à PF e à sua intenção de trocar o superintendente do Rio. O presidente argumenta, em sua defesa, que estava se queixando apenas da sua segurança pessoal. Entretanto, seis fatos recentes demonstram que Bolsonaro estava insatisfeito e tinha intenção de trocar o superintendente da PF no Rio.
Reportagem do GLOBO mostrou a existência de quatro investigações de interesse direto de Bolsonaro na PF do Rio, porque envolviam ele ou seus familiares. Um é o inquérito eleitoral que apurou ocultação de patrimônio do senador Flávio Bolsonaro. Outro é o inquérito para apurar as declarações do porteiro de seu condomínio, que havia afirmado que o acusado de assassinar a vereadora Marielle Franco pediu para ir à residência de Bolsonaro no dia do crime — o porteiro voltou atrás das declarações após ser interrogado. Também havia um inquérito citando indevidamente o deputado Hélio Negão (PSL-RJ) e uma investigação que citou lateralmente o ex-assessor Fabrício Queiroz.
1. Tentativa de mudança na PF do Rio em 2019
Na reunião do dia 22 de abril, gravada em vídeo, Bolsonaro afirmou que já havia tentado “trocar gente da segurança nossa do Rio” e não conseguiu. De fato, em 15 de agosto do ano passado, o presidente anunciou na saída do Palácio da Alvorada que iria trocar o superintendente da PF no Rio e tentou emplacar um nome de sua confiança para o cargo. “Todos os ministérios são passíveis de mudança. Vou mudar, por exemplo, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Motivos? Gestão e produtividade”, disse na ocasião. A direção da PF resistiu ao nome indicado e escolheu outro delegado para o cargo. Bolsonaro se irritou e chegou a dizer na época que poderia trocar o diretor-geral, mas acabou recuando.
2. A segurança particular da família foi trocada em março
O argumento dado pela defesa de Bolsonaro de que, ao tratar de “segurança no Rio”, falava sobre a equipe que protege sua família não se sustenta. Como mostrado pelo Jornal Nacional, em 28 de fevereiro deste ano, apenas um mês e meio antes da reunião ministerial, Bolsonaro havia trocado o chefe do escritório do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no Rio, que é o órgão responsável pela segurança pessoal do presidente e de sua família. Em 26 de março, menos de um mês antes da reunião ministerial, o presidente ainda promoveu o diretor do seu departamento de segurança pessoal para o cargo de general de brigada e o transferiu para uma nova função.
3. A efetiva demissão do diretor-geral da PF
No dia seguinte à reunião em que dizia que iria “interferir”, Bolsonaro chamou Moro ao Palácio do Planalto e lhe disse que havia decidido demitir o diretor-geral da PF Maurício Valeixo para indicar uma pessoa de sua confiança ao cargo. O então ministro respondeu que seria uma interferência política indevida na PF e que não havia justificativa técnica para demitir Valeixo. Também avisou ao presidente que deixaria o governo caso essa ameaça se concretizasse.
4. Moro pede demissão e denuncia interferência
Após a demissão de Valeixo, publicada no dia 24 de abril no Diário Oficial, Moro anunciou seu pedido de demissão e afirmou que Bolsonaro queria na Polícia Federal alguém que lhe desse informações e freasse investigações em andamento. A Procuradoria-Geral da República pediu abertura de inquérito para apurar as acusações. Foi o ex-ministro que apontou, em depoimento aos investigadores, a existência do vídeo da reunião ministerial como uma prova concreta da intenção de interferência na PF por parte do presidente.
5. Bolsonaro envia mensagem de WhatsApp para Moro
No mesmo dia em que Bolsonaro avisou a Moro sobre sua intenção de demitir Valeixo, o presidente enviou uma mensagem ao então ministro da Justiça contendo a referência a uma notícia publicada na coluna de Merval Pereira que apontava a investigação contra deputados bolsonaristas no inquérito das fake news. Nesta mensagem, revelada pelo Jornal Nacional, Bolsonaro escreveu a Moro: “Mais um motivo para troca na PF”. A mensagem corroborava que a intenção de demitir Valeixo era frear inquéritos contra aliados seus, como Moro havia afirmado em seu pedido de demissão.
6. Bolsonaro nomeia amigo para PF e troca chefia do Rio
Bolsonaro nomeia Alexandre Ramagem como novo diretor-geral da PF, mas o ministro do STF Alexandre de Moraes barra a indicação, por entender que Ramagem tinha proximidade com a família do presidente. Bolsonaro então indica outro diretor-geral, Rolando Alexandre de Souza, que também era ligado a Ramagem. Um dos primeiros atos de sua nova gestão é trocar o superintendente da PF do Rio, que foi promovido ao cargo de diretor-executivo em Brasília, o número dois na hierarquia da corporação. A promoção foi vista internamente como um prêmio de consolação para que ele deixasse a Superintendência do Rio.
As falas de Bolsonaro durante reunião ministerial
1.Trecho em que o presidente menciona a Polícia Federal e deixa clara sua insatisfação
“Eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção. (…) Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF (Polícia Federal) que não me dá informações. Eu tenho as … as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. ABIN tem os seus problemas, tenho algumas informações. Só não tenho mais porque tá faltando, realmente, temos problemas, pô! Aparelhamento etc. Mas a gente num pode viver sem informação.”
2. Bolsonaro afirma, textualmente, que iria interferir nas áreas que não o atendiam com informações
“O serviço de informações nosso, todos são uma vergonha, uma vergonha! Que eu não sou informado! E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! (vira-se para Moro) E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma extrapolação da minha parte. É uma verdade. Como eu falei, né? Dei os ministérios pros senhores. O poder de veto. Mudou agora. Tem que mudar, pô. E eu quero, é realmente, é governar o Brasil.”
3. O presidente revela a existência de um sistema particular de informações e sua preocupação em proteger seus familiares e amigos
“Sistemas de informações: o meu particular funciona. Os que tem oficialmente, desinforma. E voltando ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho. (…) É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final!”