STF monitora Bolsonaro em busca de desobediência anunciada
Foto: Reprodução/Gazeta do Povo
Depois de impor uma série de reveses ao Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) está acompanhando com atenção se o presidente Jair Bolsonaro vai cumprir a promessa de desobediência de decisões judiciais. A avaliação neste momento é a de que apesar das declarações do chefe do Executivo, que inflamam a militância bolsonarista, o governo tem seguido dentro do caminho do direito, respeitando as regras do jogo democrático até aqui. Ministros do STF, no entanto, não descartam a possibilidade de Bolsonaro radicalizar ainda mais e colocar em prática o seu discurso.
Integrantes da Corte apontam que, mesmo contrariado, o Planalto decidiu entrar com um habeas corpus no STF contra a determinação para que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, preste depoimento à Polícia Federal sobre as declarações na reunião ministerial de 22 de abril. Na ocasião, Weintraub disse que, se dependesse dele, “botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.
Uma das preocupações de ministros do STF é saber até onde o governo vai esticar a corda e desistir dos instrumentos legais para confrontar o Judiciário, o que elevaria a crise a outro patamar. Nesta quinta-feira, Bolsonaro disse que não admitirá “decisões individuais” e “monocráticas”. Bolsonaro fez um alerta velado ao Supremo, dizendo: “Chega”. “Acabou, porra!”, esbravejou o presidente. “Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoais certas ações”, disse.
Um ministro do STF ouvido reservadamente pela reportagem avalia que não há risco de ruptura democrática e definiu a fala de Bolsonaro como “as bravatas de sempre”. A opinião é compartilhada por outros magistrados, mas há um clima de apreensão dentro da Corte com o recrudescimento da postura do chefe do Executivo. O Supremo está em alerta constante com o “jogo de cena” do Planalto.
No mesmo dia em que Bolsonaro subiu o tom contra o STF, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, foi na direção contrária e afirmou que a sua “nota à nação brasileira” era “genérica” e “neutra”. Na semana passada, Heleno escreveu que, se o celular de Bolsonaro fosse apreendido pelo STF, isso teria “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.
Em entrevista ao site de notícias G1, o vice-presidente Hamilton Mourão também tentou colocar panos quentes e disse que uma ruptura democrática está “fora de cogitação”. “Quem é que vai dar golpe? As Forças Armadas? Que que é isso, estamos no século 19? A turma não entendeu. O que existe hoje é um estresse permanente entre os poderes. Eu não falo pelas Forças Armadas, mas sou general da reserva, conheço as Forças Armadas: não vejo motivo algum para golpe”, afirmou Mourão.
Remédio. O relator do habeas corpus a favor de Weintraub é o ministro Edson Fachin, que decidiu nesta quinta-feira pedir informações ao ministro Alexandre de Moraes antes de decidir sobre o pedido do governo para trancar o inquérito das fake news e barrar o depoimento do titular do Ministério da Educação (MEC). O atual entendimento do STF é o de que não cabe habeas corpus contra decisão individual de um outro ministro da Corte – no caso, quem determinou o depoimento de Weintraub foi Moraes, relator do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news contra integrantes do STF e seus familiares.
Chamou atenção dentro do Supremo o fato de o habeas corpus a favor de Weintraub ter sido assinado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, que tem bom trânsito no tribunal. Geralmente, quem costuma assinar uma peça dessa natureza, atuando pelos interesses do governo, é o advogado-geral da União. Evangélico e profissional de carreira na Advocacia-Geral da União (AGU), Mendonça é um dos favoritos para a vaga de Celso de Mello, que deixará o STF em novembro deste ano.
“Parabéns, ministro André Mendonça pelo uso sensato do ‘remédio’ constitucional. A democracia exige sabedoria de TODOS. Liberdade de expressão”, escreveu o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, em sua conta no microblog Twitter. Amigo pessoal de Bolsonaro, Oliveira é outro nome cotado para assumir uma das duas vagas ao STF que serão abertas no mandato do presidente. Além de Celso de Mello, Marco Aurélio Mello se aposenta em julho do ano que vem, quando completa 75 anos.
Advertência. Ao longo das últimas semanas, uma série de decisões do Supremo contrariaram Bolsonaro. A maioria veio do decano do STF, Celso de Mello, e do “novato” na Corte, Alexandre de Moraes, ministro que está no tribunal por menos tempo – pouco mais de três anos.
Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. Em outro caso, determinou uma operação da PF que fechou o cerco sobre o “gabinete do ódio” e apreendeu ontem documentos, computadores e celulares em endereços de 17 pessoas suspeitas de integrar uma rede de ataques a integrantes da Corte. O ministro também é relator de um inquérito que apura a organização e o financiamento de atos antidemocráticos que ocorreram no mês passado – um deles, diante do quartel general do Exército, contou com a participação de Bolsonaro.
O decano, por sua vez, é o relator do inquérito que investiga as acusações do ex-juiz Sérgio Moro de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF. Na sexta-feira passada, Celso de Mello levantou o sigilo da reunião ministerial de 22 de abril, marcada por palavrões, ofensas e ataques a instituições.
Ao autorizar a divulgação do vídeo, Celso advertiu o chefe do Executivo que o descumprimento de decisões judiciais configura “crime de responsabilidade”. “O Senhor Presidente da República, certamente atento à lição histórica de Alexander Hamilton, e mostrando-se fiel servidor da Constituição Federal, cumpriu ordem judicial emanada desta Corte e apresentou ao Supremo Tribunal Federal, por intermédio do eminente Senhor Advogado-Geral da União, a gravação que lhe havia sido requisitada”, destacou Celso de Mello.
Apesar da “bravata”, o governo entregou ao STF o vídeo da reunião, considerada peça-chave nas investigações do “inquérito Moro x Bolsonaro”. Naquela decisão, Celso de Mello afirmou que cabe contestar decisões por meio de recursos, mas jamais “desrespeitá-las por ato de puro arbítrio ou de expedientes marginais”. É esse o recado que o STF espera que Bolsonaro ouça.