Abertura faz DF passar de modelo a calamidade
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Em um intervalo de menos de dois meses, o Distrito Federal passou de modelo no combate ao coronavírus a um foco de alerta, com a escalada dos números de casos e de óbitos, além de saturação do sistema de saúde.
O governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou nesta segunda-feira (29) estado de calamidade pública no Distrito Federal por causa do novo coronavírus.
Informalmente, as autoridades minimizam o fato e apontam que se trata apenas de uma medida legal para ter acesso a recursos federais. No entanto, o próprio Ibaneis avaliou no fim da semana passado implementar o “lockdown”, medida extrema de distanciamento social, em face da deterioração do quadro.
A situação no Distrito Federal chama a atenção porque havia sinais de que a pandemia estaria sob controle, após um início de surto turbulento. O Ministério da Saúde chegou a classificar a capital federal como uma das cinco unidades da federação em “transição para aceleração descontrolada” do contágio, no início de abril.
Por outro lado, Ibaneis Rocha havia sido um dos primeiros governadores a implantar uma rigorosa política de distanciamento social. Fecharam-se escolas, bares e restaurantes, parques, comércio e indústrias.
Ao mesmo tempo, o Distrito Federal se tornou modelo por implantar o primeiro grande programa de testagem ampliada, que previa a aplicação de 400 mil testes, a maior parte deles em postos que funcionam no sistema drive-thru, com os pacientes dentro dos carros.
Entre o fim de abril e início de maio, a velocidade do avanço da Covid-19 na capital federal se mostrava inferior à média brasileira. Muitos então apontaram Brasília como modelo no combate ao coronavírus.
O governo começou a promover, gradualmente, a reabertura da economia. E, com isso, os dados de infectados e mortes começaram a aumentar exponencialmente.
“O fechamento inicial deu a impressão de ser uma medida de impulso, meio precoce. Em um dado momento, parece que os governadores disputavam quem fechava mais coisas”, afirma Claudio Maierovitch, sanitarista da Fiocruz em Brasília e ex-diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
“Agora, mesmo com a epidemia avançando em grande velocidade no Distrito Federal, estamos indo no caminho inverso, que é manter a abertura”, completa.
O governo do Distrito Federal mantém seu programa de abertura da economia, mesmo com a piora dos casos. Inicialmente foram reabertas lojas de móveis e de eletroeletrônicos, seguidos do comércio de rua, shoppings centers, parques e igrejas.
No último fim de semana, foram autorizados a reabrir os clubes e times de futebol puderam retomar os treinos. Donos de bares, restaurantes e academias trabalham com a hipótese de reabrirem seus estabelecimentos até 1º de julho.
Para manter seu cronograma de abertura da economia, o governador Ibaneis Rocha travou disputas judiciais e verbais com representantes do Ministério Público e da Justiça —contrários à reabertura de serviços não essenciais.
Ibaneis nos últimos dias decretou estado de calamidade pública e analisou a possibilidade de implantar o “lockdown”. Ironicamente, dias antes, recorreu de uma decisão judicial para garantir a reabertura de bares e restaurantes.
“O MPF entende que há uma incoerência evidente quando se pretende, para acessar recursos federais, reconhecer a calamidade, mas, no enfrentamento da pandemia, relativizar a gravidade do momento atual”, afirma Ubiratan Cazetta, procurador regional da República.
“Não se retira do GDF a incumbência de gerir a crise, mas, justamente por reconhecer seu papel, as decisões não podem se afastar das análises técnicas, dos impactos decorrentes das suas decisões”, completa.
A reabertura da economia coincide com o período de aumento de impacto da Covid-19. O Distrito Federal registrou desde o início da pandemia um total de 44.906 casos de infecção pelo novo coronavírus. Desse total, 548 pessoas morreram em decorrência da doença, segundo dados do Ministério da Saúde.
Em relação ao início de maio, quando se considerava o surto sob controle, o número de óbitos aumentou 16,5 vezes —enquanto os dados do país inteiro aumentaram 7,8 vezes.
O total de casos confirmados aumentou 25,4 vezes no mesmo período, enquanto que os dados registrados em todo o Brasil aumentaram 12,5 vezes.
Os números são refletidos também na estrutura de saúde do Distrito Federal. Há quase dois meses, a ocupação dos leitos exclusivos para Covid na rede pública, com suporte de ventilação mecânica, estava em 22%. Desde então, o governo praticamente quintuplicou essas unidades —atualmente são 500— mas a ocupação está perto de 70%.
Na rede privada, a ocupação dos leitos para Covid-19 atinge atualmente 90%. Além disso, 75% do total de UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo) também estão ocupadas.
O MPF-DF, no entanto, questiona os dados divulgados pelo governo e afirma que a ocupação total dos leitos Covid —particulares e públicos somados— está em 93%.
O aumento na velocidade do contágio resulta em lotação nas unidades de saúde. Na UPA (Unidade de Pronto Atendimento), uma tenda foi montada na parte externa para fazer uma triagem dos possíveis casos de Covid. Na manhã desta segunda-feira (29), pessoas se aglomeravam na parte externa, chegando a esperar horas para serem atendidas.
O governo do Distrito Federal informou por meio de nota que “a reabertura do comércio levou em consideração avaliações de especialistas, critérios científicos e dados técnicos. Os números de casos e óbitos no DF seguem os valores projetados e a pressão hospitalar é diariamente monitorada para, também, verificar se encontra-se dentro do previsto”.
A gestão de Ibaneis Rocha também acrescenta que vem investindo em leitos de UTI e de retaguarda até o período estimado para o pico, previsto para a primeira quinzena de julho.