Aras vai ter que opinar sobre depoimento de Bolsonaro
Foto: Gabriela Biló / Estadão
Em meio à maior crise interna da Lava Jato e alvo de críticas de colegas, o procurador-geral da República Augusto Aras acumula mais uma preocupação em sua agenda: o parecer que deverá enviar ao ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, sobre o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura suposta interferência política do Planalto na Polícia Federal.
A manifestação da PGR foi solicitada por Celso na última sexta, 26, após a delegada Christiane Correa Machado, que lidera o caso, afirmar que as investigações ‘se encontram em estágio avançado, razão pela qual nos próximos dias torna-se necessária a oitiva’ do presidente. Ela não especificou a forma como o depoimento será tomado – por escrito ou presencialmente.
Escolhido pelo presidente fora da lista tríplice, caberá a Aras opinar sobre o pedido da PF e mandar seu parecer ao decano. No passado recente da Procuradoria, manifestação semelhante foi elaborada em 2017 então procurador-geral Rodrigo Janot contra o então presidente Michel Temer (MDB) no caso da gravação da JBS. À época, Janot pediu ao Supremo que ouvisse o emedebista, mas deixou a cargo do relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, decidir como seria a oitiva. Temer depôs por escrito.
O caso de Bolsonaro, contudo, pode ser diferente. Celso de Mello sinalizou em decisões passadas que a prerrogativa dada a Temer não se aplica ao presidente, pois o depoimento por escrito só é opção para a autoridade quando ela é vítima ou testemunha do crime. Bolsonaro é investigado.
O parecer de Aras será elaborado em meio à maior crise interna da Lava Jato na sua gestão, que culminou na saída de três procuradores que integravam o grupo de trabalho da operação na Procuradoria. A debandada ocorreu após a subprocuradora Lindôra Araújo, aliada do PGR, visitar a sede do Ministério Público Federal, em Curitiba. A força-tarefa da operação chamou a ida de ‘diligência’ para obter dados e informações sigilosas.
A PGR nega as acusações. Em resposta, declarou que a Lava Jato ‘não é um órgão autônomo’ e que ‘deve obedecer a todos os princípios e normas internos da instituição’. Nos bastidores, a manifestação colocou mais lenha na fogueira ao invés de pacificar os ânimos internos no Ministério Público Federal — no mesmo dia, Lindôra desistiu de se candidatar a uma vaga para o Conselho Superior do MPF, órgão máximo da Procuradoria.
Em outra frente, Aras enfrenta outro embate com procuradores por recomendação assinada no último dia 19 que prevê como o Ministério Público deverá lidar diante de casos em que há ‘falta de consenso científico’. O texto sugere que, neste cenário, não caberia à Procuradoria ‘a adoção de medida judicial ou extrajudicial destinadas a modificar o mérito’ das escolhas feitas por gestores públicos.
Críticas ao texto relatadas ao Estadão destacam que a recomendação assinada por Aras limita a ação da Procuradoria, principalmente durante a pandemia do novo coronavírus. Um exemplo é o uso da cloroquina no tratamento da covid-19 – sem eficácia científica, o medicamento foi adotado pelo Ministério da Saúde para pacientes com quadros leves da doença.
Entidades ligadas à categoria, como a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) cogitam levar o caso ao Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso, por se tratar de uma recomendação, integrantes do MPF sinalizam que devem ignorar o texto.