BB omitiu da CGU ferramenta para publicar publicidade
Foto: Domingos Peixoto /Agência o Globo
O Banco do Brasil omitiu da Controladoria Geral da União (CGU) a informação de que fazia uso de mídia programática, ferramenta que orienta divulgação de anúncios publicitários e acabou levando à veiculação de publicidade do banco em sites que divulgam notícias falsas. Segundo despacho da CGU de novembro de 2019, o BB informou ao ministério que não utilizava mídia programática. Entretanto, o banco, agora, admite que vinha utilizando esse mecanismo desde maio de 2019.
A mídia programática é um mecanismo automatizado de compra de espaço publicitário na internet. Um anunciante contrata uma plataforma digital e estipula o seu público-alvo e o quanto quer gastar em anúncios. A ferramenta, por sua vez, calcula, com base em um algoritmo, quais sites, canais ou aplicativos oferecem a melhor relação custo-benefício.
É esse mecanismo que vem sendo apontado como o responsável pela distribuição de anúncios em sites, canais do YouTube e aplicativos de telefone celular que divulgam notícias falsas e conteúdos inadequados. Em maio, o perfil Sleeping Giants Brasil revelou que o BB anunciava em um site conhecido por divulgar notícias falsas. O banco, finalmente, admitiu usar a ferramenta, mas nove meses antes, negou à CGU que usava essa ferramenta.
O BB começou a omitir o uso desse mecanismo em agosto de 2019, quando O GLOBO, por meio da Lei de Acesso a Informação, solicitou, entre outras informações, “acesso a documentos, memorandos, instruções normativas que versem sobre a utilização de mídia programática por esta empresa”.
Em primeira e segunda instâncias, o BB negou acesso aos documentos. No dia 19 de setembro, O GLOBO, então, recorreu à CGU. O julgamento pela CGU chegou a ser prorrogado. Em 26 de novembro, finalmente, o órgão liberou o seu parecer. Para instruir o processo, a CGU diz que seus técnicos entraram em contato com o BB para saber se os documentos solicitados pelo GLOBO de fato existiam.
No despacho, a CGU diz que procurou o BB e o questionou sobre se usava mídia programática à época. Segundo a documento, o BB negou utilizar o mecanismo.
“Também foi questionado ao recorrido (Banco do Brasil) acerca da possibilidade de entregar ao cidadão os documentos solicitados no item 6 do pedido inicial (documentos sobre uso de mídia programática) […] sobre o assunto, (o Banco do Brasil) consignou, ainda que em razão do caráter inovador dessa forma de compra e questões ainda em definição relacionadas a faturamento, comprovação e pagamento, que precisam ser normatizadas pela Secom, o BB ainda não utiliza a mídia programática em seus esforços de comunicação publicitária”, diz trecho do despacho da CGU.
O relato feito pela CGU de que o BB disse, em novembro de 2019, não usar mídia programática contrasta com a informação prestada pela sua própria assessoria de imprensa, em junho deste ano. Questionada sobre desde quando utilizava esse mecanismo, o BB informou que usa mídia programática desde maio de 2019.
A informação repassada pelo BB à CGU de que não usava esse mecanismo convenceu os técnicos do ministério. Em outro trecho, a CGU diz que a declaração de “não existência” dos documentos feita pelo BB era “revestida de presunção de relativa verdade” e que, por isso, não caberia à CGU fazer qualquer tipo de averiguação para saber se o BB mentia ou não.
“A declaração de inexistência é revestida de presunção relativa de veracidade, decorrente do princípio da boa-fé e da fé pública, além de ser consequência direta da presunção de legalidade dos atos administrativos, não cabendo a verificação por parte deste órgão de controle acerca da veracidade da informação concedida, a qual se presume legítima”, afirmou a auditora federal finanças e controle Mileni Fonseca Teodoro, responsável pelo parecer.
Em outras palavras, a declaração do banco levou a CGU a rejeitar o pedido de informação sob alegação que ela não existiria. . Hoje, sabe-se, que o BB vinha utilizando a plataforma Google Ads desde maio de 2019 para comprar espaço publicitário na internet.
Com base na presunção de “relativa verdade” sobre a inexistência dos documentos, a CGU indeferiu o pedido feito pelo GLOBO e o BB, até hoje, não forneceu os documentos internos sobre a utilização de mídia programática. Os documentos permitiram explicar que parâmetros foram utilizados pela empresa no uso dessa ferramenta.
O coordenador de pesquisa do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional no Brasil, Guilherme France, diz que o fornecimento de dados falsos ou incompletos à CGU contraria os princípios da “transparência, probidade e da impessoalidade”.
– O fornecimento de informações incorretas, incompletas ou imprecisas constitui conduta ilícita, como prevê a Lei de Acesso a Informação, podendo gerar a responsabilização administrativa e cível do agente público que realiza esta conduta – afirmou France.
O coordenador disse ainda que, dependendo do que motivou o agente público a sonegar informações, ele pode até ser responsabilizado criminalmente.
O GLOBO procurou, via assessoria de imprensa, a CGU e o BB. Aos dois, O GLOBO pediu acesso à íntegra das comunicações feitas entre ambos sobre o uso de mídia programática. Nenhum dos dois liberou os documentos.
A CGU, até o fechamento desta reportagem, não havia se manifestado. O BB enviou duas notas.