Bolsonaro pretende financiar youtubers amigos com dinheiro público
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Acuado politicamente e medindo forças com o STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou a adotar uma estratégia de comunicação em que evita perguntas de jornalistas e abre espaço para youtubers simpáticos a ele.
Na semana passada, influenciadores digitais bolsonaristas foram alvo de operação da Polícia Federal no âmbito do inquérito do STF que apura a disseminação de notícias falsas pela internet, as fake news.
Um dia após a operação, Bolsonaro não escondeu sua irritação em um pronunciamento sem espaço para perguntas de jornalistas diante do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente. “Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor sob o argumento mentiroso de fake news.”
Nesta segunda (1º) e nesta terça (2), o presidente também evitou a imprensa na saída do Alvorada.
No dia 25, ele apareceu diante dos apoiadores que o aguardavam no local acompanhado do youtuber Fernando Lisboa, do Vlog do Lisboa, canal que tem 532 mil inscritos no YouTube e 78,6 mil seguidores no Twitter.
Pouco antes da aparição, o influenciador havia tomado café da manhã com o presidente. Lisboa não foi alvo da operação deflagrada dois dias depois. Em seus vídeos, há elogios a Bolsonaro e críticas a ministros do Supremo, governadores, como João Doria (PSDB-SP), e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A imprensa também é alvo dos ataques de Lisboa. No dia em que acompanhava Bolsonaro, transmitiu as agressões verbais de simpatizantes do presidente aos jornalistas. Horas depois, minimizou os episódios de hostilidade.
“Se a mídia não quer ser hostilizada, me desculpa, tome um pouco de vergonha na cara, que é bom, um pouco de ‘semancol’, caráter, e mostra a verdade. Ninguém está pedindo aqui para ficar bajulando o Bolsonaro, não. Mas que mostre a verdade, só isso. Ok?”, afirmou em um vídeo assistido por quase 64 mil pessoas.
No dia 23, Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada um grupo de youtubers e deputados de sua tropa de choque. Entre os influenciadores, estava Bárbara Zambaldi Destefani, 33, responsável pelo canal Te Atualizei, com 586 mil inscritos no Youtube, e pelo perfil @taoquei1, seguido por cerca de 250 mil internautas no Twitter.
No fim de semana, Destefani publicou entrevista de 52 minutos com Bolsonaro. Para gravar o vídeo “O homem por trás da República – Entrevista com o presidente Jair Messias Bolsonaro”, assistido mais de 880 mil vezes, ela foi recebida também no Palácio do Planalto, segundo agenda oficial do presidente.
O encontro ocorreu horas antes de vir a público vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, citada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em depoimento à Polícia Federal como evidência de que Bolsonaro desejava interferir na autonomia da PF.
A influenciadora anuncia perguntas que, segundo ela, “normalmente as pessoas não perguntam, que não têm interesse em perguntar porque o Brasil, atualmente, vive de polêmicas, de narrativas”.
E, em seguida, vêm questionamentos como “qual o dia mais feliz da sua vida?”, “o melhor momento do dia é…?”, “o senhor é caçado pela mídia, sua família é perseguida, 90% do que o senhor fala é deturpado…” e “o que te faz acordar todos os dias para mais um dia?”.
A youtuber aparece no despacho do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que deflagrou a operação da PF contra o esquema de fake news. O ministro diz que uma rede de 11 perfis no Twitter, entre os quais o @taoquei1, atua de modo sincronizado para espalhar ataques contra adversários de Bolsonaro e conteúdo falso. Moraes pediu a quebra de sigilo de identidade de três perfis, entre os quais o @taoquei1.
A Folha entrou em contato com Fernando Lisboa e Bárbara Destefani através de suas contas no Twitter no domingo (31), mas não houve retorno até o momento da publicação desta reportagem.
Em um vídeo publicado na internet, Destefani diz que apareceu no inquérito do STF porque entrevistou Bolsonaro.
“Se vão fazer uma busca e apreensão na minha casa, não sei. O que eu sei, tenho certeza absoluta, é que, quando a PF chegar na minha casa, se isso acontecer, para pegar meu celular e o meu computador, eles não vão nem abrir, vão ter certeza que eu não sou financiada”, disse a influenciadora.
No início da semana passada, a Secom (Secretaria de Comunicação) da Presidência anunciou que está debatendo a criação de uma rede para distribuir conteúdo sobre o governo federal a veículos regionais “com o objetivo de democratizar e regionalizar o acesso à informação e fontes oficiais”.
A estratégia de valorizar blogueiros simpáticos ao governo e de tentar espaço na mídia regional também foi adotada pelo ex-presidente Lula (PT).
“Atualmente, os fatos que ocorrem em Brasília são divulgados, em sua maioria, por grandes veículos de circulação nacional. A ideia do projeto é dar uma atenção às empresas de comunicação regional que têm dificuldade de manter suas equipes de jornalismo na capital federal”, diz o material de divulgação da Secom da gestão Bolsonaro.
A Secom tem sido criticada nas redes sociais durante a pandemia do novo coronavírus. A comunicação oficial ignora os números de mortos e, no “placar da vida”, enumera apenas os números de infectados, de “brasileiros salvos” e dos que estão “em recuperação”.
Aos que reclamam, o perfil da Secom responde que “todos os dados sobre o coronavírus no Brasil são atualizados diariamente pelo Ministério da Saúde no portal http://covid.saude.gov.br, lá você encontra todas as informações”.
Na quinta-feira (28), uma internauta indagou se não publicar o número de mortos é uma estratégia. “Não é estratégia, aqui o foco é celebrar as vidas que foram salvas. Os números negativos já são bastante divulgados pela mídia”, respondeu o perfil oficial do governo, mais uma vez indicando o site do Ministério da Saúde para os interessados na informação completa.
No domingo (31), a Folha procurou o secretário da comunicação, Fabio Wajngarten, e a assessoria de imprensa da Presidência, mas não obteve resposta.
Nesta segunda, Bolsonaro não só não falou com os jornalistas ao sair do Palácio da Alvorada, como mandou que os apoiadores fossem até uma pista de acesso na área interna da residência oficial.
“A imprensa não vai poder dizer mais que eu estou agredindo ela, está certo? Conversar com o povo porque este pessoal aí não… se transmitisse a verdade, tudo bem, mas deturpam, inventam”, disse Bolsonaro.
A conversa foi transmitida ao vivo por apoiadores e pela própria equipe da Presidência da República.