Bolsonaro rompe promessa e Regina fica desempregada
Foto: Carolina Nunes/PR
Até a próxima segunda-feira (8), a atriz Regina Duarte ocupará figurativamente o cargo de Secretária Especial de Cultura, como salário em torno de R$ 15 mil mensais.
Depois dessa data ela engrossará a fileira de 12,9 milhões de desempregados no Brasil. Sua vaga à frente da Cinemateca já está descartada, segundo fontes ouvidas por esta coluna.
Como esta coluna publicou com exclusividade, o governo federal pretende fechar pura e simplesmente a cinemateca e quer que a Fundação Roquette Pinto, que gere a instituição demita os cerca de 150 funcionários que lá trabalham.
Com isso nem mesmo Regina Duarte terá a “boquinha” anunciada na estatal.
Porém a atriz não ficará ao deus-dará: nos bastidores do governo estão sendo mexidos pauzinhos para que ela seja nomeada para algum cargo nível DAS (Direção e Assessoramento Superior) com salário também em torno de R$ 15 mil —possivelmente nomeada pelo Ministério do Turismo.
Além disso ela já recebe cerca de R$ 7 mil mensais como pensão alimentícia de seu pai, que foi primeiro-tenente no Exército e morreu em 1981.
Quando a seu cargo na Cinemateca, ela já é tratada como carta fora do baralho.
Enquanto ficou pouco menos de três meses à frente da Secretaria Especial da Cultura, Regina Duarte não fez absolutamente nada. Pelo contrário. Ao contrário de seu trabalho como atriz, no órgão público seu papel foi ridículo.
A Cinemateca está no meio de um imbróglio envolvendo os ministérios da Educação, do Turismo e a secretaria especial da Cultura desde o final do ano passado.
Agora também envolve o Ministério Público de São Paulo, que quer investigar a intenção do governo federal em fechar o órgão —que existe desde os anos 40.
Localizada em imensos galpões em São Paulo, a Prefeitura da cidade também estaria interessada em apoiar a manutenção do acervo.
No último dia 10, em Brasília, Regina Blois Duarte se “autonomeou” para um cargo junto à Cinemateca, que preserva, restaura e conta a história do país, do cinema e do audiovisual brasileiro.
O órgão abriga centenas de milhares de rolos de filme e fotografias, que necessitam de cuidados e manutenção.
No final do ano passado, o Ministério da Educação cancelou o contrato com a TV Escola e, por tabela, também o da Cinemateca. Ambos eram geridos pela Acerp (Fundação Roquette Pinto).
No caso da TV Escola, Abraham Weintraub cometeu um erro tacanho: ele expulsou os funcionários da Roquette Pinto e planejava ocupar os cargos da TV Escola com seus apaniguados e os de seu “guru”, Olavo de Carvalho.
O erro foi que Weintraub achava que a TV Escola era uma TV pública, cuja concessão pertencia ao governo. Ledo engano: tanto a concessão como a marca pertencem à Fundação Roquette Pinto.
De efeito colateral, Weintraub decidiu também antecipar a rescisão do contrato de gestão com a Cinemateca, só que esse contrato está em vigor até 2021.
Além disso o governo deve cerca de R$ 11 milhões à cinemateca referentes ao ano passado e a 2020.
A Fundação Roquete Pinto já descartou aceitar a rescisão pacificamente e, se for necessário, vai brigar nos tribunais.
No fim de semana funcionários da Cinemateca e de sindicatos já haviam divulgado uma carta aberta ao governo federal, pedindo que ele “não mate” um órgão de tamanha importância histórica.
A Fundação divulgou um ofício público às autoridades a respeito da situação atual.
Leia a íntegra do ofício
“Ofício
Ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio;
Secretária Especial de Cultura, Regina Duarte;
Subsecretário de Audiovisual (SAV), Heber Trigueiro.
Em reunião no dia 20/05/2020, que aconteceu às 14hs na sede da Secretaria Especial de Cultura, na sala do sr. subsecretário Heber Trigueiro, com a presença do titular da pasta, da sua chefe de gabinete, Jéssica…, do diretor-geral da Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto), Francisco Câmpera, e do superintendente da Cinemateca Brasileira, Roberto Barbeiro, o sr. Heber Trigueiro comunicou verbalmente para os presentes:
– O fechamento das atividades da Cinemateca Brasileira até o final deste ano, 2020, até pelo menos que as atividades sejam absorvidas definitivamente pela Secretaria Especial de Cultura/Ministério do Turismo;
– A indefinição do não pagamento dos R$ 11 milhões atrasados relativos às despesas de 2020 e 2019 devidos à Acerp;
Francisco Câmpera e Roberto Barbeiro questionaram como seria esta transição, pois os salários estavam atrasados há dois meses em função da falta de repasse dos recursos, apesar de, conforme disse o próprio subsecretário Heber Trigueiro, o valor referente já estar depositado na conta da Secretaria Especial e registros aprovados no Orçamento Geral da União.
Os dirigentes da Acerp também informaram mais uma vez acerca do atraso em todos os contratos de segurança, de fornecimento de energia elétrica, bombeiros civis etc.
Lembraram também da indefinição sobre os reparos que a enchente provocou em fevereiro e até o momento não foi tomada nenhuma providência, apesar dos alertas oficiais feitos pela Acerp à Secretaria.
Os dirigentes da Roquette Pinto ainda questionaram sobre a transição e o fechamento da Cinemateca até o final do ano, visto que há mais de 150 pedidos de empresas, cineastas, pesquisadores, emissoras de TV, proprietários de filmes, entre outras solicitações, para serem atendidos.
O sr. Heber comunicou que, apesar dele ter apresentado outras soluções (mais eficazes por sinal, no tocante ao ressarcimento de valores devidos, prazos determinados para transição etc) em relação à decisão tomada pela Secretaria Especial de Cultura de fechar pelo menos até o final ano de 2020, até a reestatização da Cinemateca Brasileira, estas demandas não seriam atendidas até 2021, a despeito de prejudicar toda a cadeia de audiovisual do Brasil e até de demandas internacionais, visto que a Cinemateca Brasileira está interligada a outras que atuam no mesmo propósito de preservação, documentação e atendimento ao setor.
O sr. Heber Trigueiro também não se posicionou quanto às rescisões dos funcionários, a maioria altamente especializada, com décadas de trabalhos prestados à Cinemateca Brasileira e à cultura do país.
Há colaboradores que se dedicam a mais de 40 anos a esta nobre missão.
O sr. Heber Trigueiro também disse que não tinha solução para este problema e nem posicionamento oficial para pagamento dos mesmos.
Diante do exposto na reunião, a Acerp solicita ao sr. Ministro Marcelo Álvaro, e à Secretária Regina Duarte, que se posicionem oficialmente quanto à comunicação do subsecretário Heber Trigueiro, para que, a partir daí, possam ser tomadas as providências cabíveis mais adequadas, afim de evitar prejuízos ao trabalho desenvolvido pela Cinemateca à cultura e ao setor de audiovisual, e contribuirmos assim para que a transição seja feita de forma eficiente.
Embora em nenhum momento deste processo a Acerp e a Cinemateca Brasileira, especialmente os profissionais do setor, com décadas de experiência, tenham sidos comunicados oficialmente, nem consultados acerca dos propósitos desta solução anunciada, estamos disponíveis para colaborar da melhor forma possível.
Porém, para contribuir com o processo, avaliamos e alertamos que esta não é a melhor decisão.
Fechar a Cinemateca até o final do ano vai destruir o setor de audiovisual brasileiro, que agoniza neste período de pandemia Covid-19, mas que continua trabalhando e conta com a Cinemateca para fornecer o material necessário para edição e finalização das produções.
Alertamos também que a reestatização vai complicar ainda mais os problemas da Cinemateca, que nos últimos anos não vem recebendo recursos suficientes para manter a nossa memória nacional.
Como é notório e sabido, não apenas estão ali preservados documentados (mais de um milhão) do cinema nacional, mas da TV (como TV Tupi), futebol (Canal 100), Mazaroppi, filmes das expedições do Marechal Rondom e da FEB (Força Expedicionária Brasileira), além de roteiros originais de escritores brasileiros como Raquel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Jose Louzeiro, entre outros
Ainda contamos com os filmes das companhias ferroviárias do começo do Século XX, registros da história do Brasil (muito material do Estado Novo, como os cinejornais com Getúlio Vargas), registro de figuras históricas em passagem pelo país ao longo do século passado, registros domésticos do início do Século XX, desde quando chegaram as primeiras câmeras no Brasil, filmes da revolução industrial brasileira, assim como as cias. de café de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
A lista é longa, afinal, são quase 300 mil rolos, como a Veneza Americana, documentando Recife nos anos 1920 e restaurado pela Cinemateca. E filmes mais recentes, que mostram a transformação do espaço urbano em São Paulo, a construção de Brasília e tantos outros momentos importantes da história do Brasil.
Sugerimos e solicitamos que, antes de tomarem qualquer decisão, sejam discutidas em conjunto as soluções com representantes do setor.
Se faz necessário ouvir cineastas, bibliotecários, museólogos, diretores de TV, atores e atrizes e consultar os técnicos que estão na Cinemateca há décadas.
Não faz sentido tomar uma decisão sem ouvir os envolvidos numa instituição que nasceu da própria sociedade brasileira há quase 80 anos, que diz respeito fundamentalmente à memória nacional.
Peço que compreendam que estamos querendo apenas contribuir com este posicionamento, com o propósito de buscar as melhores soluções, que reduzam ao máximo o risco de prejuízos futuros.
Levando em conta o que foi expresso acima, a Cinemateca Brasileira, a Acerp e todos os seus colaboradores, precisam de posicionamento oficial para que todas as providências sejam tomadas. Diante do exposto, sobressaem-se dúvidas que precisam de esclarecimentos:
– Como serão pagos os salários atrasados e as contas, como a de energia, que está prestes a ser cortada?
– Como e quando a Acerp será ressarcida pelos atrasados?
– Os serviços da Cinemateca Brasileira vão, de fato, serem encerrados até o final do ano, conforme comunicado pelo subsecretário Heber Trigueiro? Se não vão ser encerrados, como será o procedimento de transição?
– O contrato neste período com a Acerp será feito por qual período?
Vale ressaltar que a Acerp sagrou-se vencedora em procedimento licitatório, que importa em ato jurídico perfeito válido até 2021, com relação aos serviços de gestão da Cinemateca Brasileira.
Apesar de toda dificuldade que enfrentamos e informações veiculadas na imprensa diferentes do que aconteceu de fato na reunião – acima relatados -, precisamos dessas definições e alinhamentos de procedimentos para que possamos promover a transição e receber os atrasados e, assim, não pôr em risco o acervo da nossa memória nacional.
E para comunicarmos em conjunto uma mesma nota à imprensa, a fim de evitar mal-entendidos e confundir o mercado e os funcionários da Cinemateca Brasileira.
Informamos também que relatamos ao nosso Conselho de Administração sobre a reunião ocorrida na SAV, sexta-feira, dia 29 de maio de 2020, e este convocou uma reunião extraordinária para tomar as providências cabíveis, inclusive judiciais.
Vale registrar também a postura sempre altiva do subsecretário Heber Trigueiro, que apresentou as melhores soluções, que foram trabalhadas conosco em conjunto, e agradecemos a ele o reconhecimento que graças à Roquette Pinto a Cinemateca não fechou no ano passado, 2019, nem neste ano de 2020.
Afinal, a nossa instituição tem um compromisso com a Cultura e Educação do Brasil há quase um século.
Este esforço e sacrifício estão sendo feitos por todos os trabalhadores da Acerp, pois o rombo de milhões de Reais no caixa atingiu em cheio o funcionamento de todos os colaboradores da Acerp, especialmente os da TV Escola, que mesmo sem recursos públicos, está mantendo o seu compromisso de produzir e disponibilizar gratuitamente material didático para milhões de crianças sem aulas e milhões de jovens que vão fazer o Enem.
E para finalizar, agradecemos o subsecretário Trigueiro também por reconhecer que graças a nossa iniciativa, foram feitas as obras, em finalização, para tirar o alvará de incêndio. Quando a atual diretoria assumiu a Acerp, em fevereiro de 2020, ficou estarrecida com a situação, pois a Cinemateca estava funcionando há cinco anos sem alvará, apesar do último incêndio ter ocorrido em 2016, além da situação envolvendo grave contaminação do solo na unidade da Vila Leopoldina, conforme foi comunicado à Secretaria para tomar as devidas providências.
Aproveitamos a reunião também para alertar mais uma vez que a conta de energia elétrica está para ser cortada e se isto acontecer, o risco de incêndio é iminente.
A refrigeração da Cinemateca funciona 24 horas e o material fílmico é altamente inflamável, por auto-combustão, ou seja, pega fogo sozinho se não houver temperatura adequada. Ainda corre-se o risco de perder os bombeiros civis por falta de pagamento e até a própria segurança do local.
Se isto ocorrer, será preciso recorrer à Polícia Militar do Estado, ou a Guarda Municipal, e aos bombeiros públicos. Nós, da Acerp, não temos mais recursos financeiros para bancar as despesas. Portanto, fica registrado mais uma vez este alerta.
É importante que fique claro que não se trata apenas de energia elétrica para manter a refrigeração, além disso, é imprescindível que se mantenha uma análise técnica permanente para garantir a segurança do acervo.
Reiteramos que a Direção da Acerp, embora não concorde com o fechamento anunciado até o final do ano e a reestatização da Cinemateca, vai colaborar com o propósito de evitar maiores problemas. Lembramos que a Cinemateca não é uma entidade vinculada à Secretaria, como são Ancine, Ibran, FCRB, Funarte, Iphan e Biblioteca Nacional.
Para que a Cinemateca Brasileira volte a ser uma entidade vinculada, ou seja, sob o comando direto da SECULT/SAV, precisará haver uma reestruturação administrativa na SECULT, incluindo DAS, para que seja possível instituir um organograma com cargos e salários, a fim de se nomear um diretor geral e demais cargos.
Hoje, a Cinemateca conta com 152 funcionários, incluindo segurança e bombeiros (32 mil metros quadrados) e diversas empresas terceirizadas para o seu funcionamento, dentro de um orçamento mensal de R$ 1,2 milhão aproximadamente. Todo o trâmite burocrático/legal deve prever pelo menos 120 dias para se tornar real.
O Contrato da Acerp, a partir do chamamento atendido, tem duração até março de 2021. Portanto, acreditamos que a melhor condução é a regularização do contrato em vigor, o pagamento das despesas ja realizadas pela Acerp e a retomada dos pagamentos mensais.
Com isto, caso ainda seja determinante, o exercício burocrático/legal pode ocorrer em seu tempo próprio e com toda a cautela que o assunto merece, sem que a União deixe de responder aos seus deveres legais junto aos depositantes legais ou privados, salvaguardar o patrimônio da União, material e imaterial, existentes, evitando uma massiva reclamação judicial.
Alertamos, mais uma vez, que o não-funcionamento pleno da Cinemateca Brasileira impede o trabalho de centenas de produtores de audiovisual e, inclusive, as funções da Ancine quanto à prestação de contas dos projetos incentivados, tanto reclamados pelo TCU.
Portanto, para esta transição acontecer sem prejudicar o setor e a própria segurança dos arquivos da Cinemateca, sugerimos uma reunião urgente para definições oficiais, que passem por uma transição tranquila e profissional, e que se pague imediatamente os atrasados para que esta transição ocorra sem obstáculos, paralisações de ordem judicial e outros que possam prejudicar não só o setor audiovisual e a cultura nacional, como não possa prejudicar a Secretaria de Cultura, a futura dirigente da Cinemateca Brasileira, o Ministério do Turismo e a Acerp.
E, principalmente, que não prejudique o setor de audiovisual, e mais além, não ponha em risco o nosso patrimônio nacional, a nossa memória em vídeo que está toda depositada na nossa Cinemateca Brasileira.
Atenciosamente. Acerp.