Bolsonaro tenta construir base contra impeachment
Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados
A aproximação entre o governo e o Centrão proporciona ao presidente Jair Bolsonaro, neste momento, uma base com 206 aliados na Câmara, 40% do total de deputados. Juntos, os parlamentares são suficientes para barrar um eventual processo de impeachment ou uma denúncia contra o presidente. Não teriam capacidade, no entanto, para aprovar reformas sem o apoio de outros partidos ou de correligionários que resistem em apoiar o Executivo.
O líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), foi o responsável por construir a maior parte dessa base de apoio. Lira arregimentou 129 parlamentares de dez partidos, de acordo com levantamento feito pelo Valor. O deputado é cotado para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara a partir de 2021.
A base de Bolsonaro, com 206 deputados, é composta por 129 integrantes de partidos do Centrão, 43 parlamentares de sete partidos alinhados com Rodrigo Maia e 34 filiados ao PSL, que permaneceram ao lado do presidente mesmo após o racha da sigla, por meio da qual Bolsonaro se elegeu em 2018.
O levantamento foi feito pelo Valor com os deputados ou seus auxiliares diretos, sob a condição de anonimato.
Para o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), os números demonstram que a base aliada do governo na Casa está “ganhando corpo”. As votações das últimas semanas, disse o deputado, têm demonstrado que o Palácio do Planalto conta com respaldo dentro do Parlamento.
Essa base, no entanto, ainda está sendo testada na prática. Desde março, o presidente da Câmara e líderes partidários estão cumprindo um acordo de priorizar a votação de propostas relacionadas ao combate ao coronavírus. Essas pautas são consideradas consensuais, pois têm voto favorável até da oposição. Medidas provisórias, no entanto, seguem caducando por falta de votos. Tampouco há consenso no Centrão a respeito de por quanto tempo e qual deve ser o valor das novas parcelas do auxílio emergencial criado para combater os efeitos da crise.
Segundo apurou o Valor, a expectativa do governo era que apenas o bloco de Lira garantisse ao governo cerca de 200 votos. No entanto, há 73 parlamentares que pregam independência em relação ao Palácio do Planalto nesses partidos – PP, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Patriota e Avante. Em contrapartida, deputados do MDB, do DEM e do PSDB, por exemplo, sinalizam alinhamento ao governo.
Sabendo desses dissidentes no grupo de Maia, o governo pretendia garantir 257 aliados contando com os bolsonaristas dentro do PSL. Esse é exatamente o número de votos necessários para aprovar leis complementares.
Para aprovar propostas de emendas constitucionais (PECs), o governo precisa reunir 308 votos entre os 513 integrantes da Câmara. Isso valeria, por exemplo, para a reforma tributária. Com o balanço atual, mesmo projetos de lei que exijam maioria simples não seriam aprovados com facilidade. O mesmo ocorreria caso aliados de Bolsonaro quisessem bloquear o requerimento de convocação de algum integrante do governo.
Caso tente barrar uma denúncia do Ministério Público, como ocorreu com o ex-presidente Michel Temer, Bolsonaro teria que ter ao seu lado ao menos 172 aliados, patamar que por enquanto já demonstrou ter alcançado. O mesmo vale para evitar em plenário o avanço de processos de impeachment.
A aproximação entre Bolsonaro e os partidos do Centrão ocorre num momento de tensão entre os Poderes e em meio ao avanço de investigações envolvendo o ex-assessor Fabrício Queiroz. Eleito com a promessa de mudar a forma de o governo se relacionar com os partidos, Bolsonaro enfrentou diversas dificuldades no Congresso até decidir se aproximar das legendas que no passado também apoiaram seus antecessores.
Diante das derrotas em plenário, Bolsonaro foi alertado por aliados no Congresso sobre a necessidade de ampliar a ofensiva para garantir a consolidação da base. Nomeações de indicados políticos para cargos foram destravadas e o Ministério das Comunicações, recriado. Nele tomou posse o deputado Fábio Faria (PSD-RN), que terá a missão de melhorar o diálogo do governo com o Parlamento, inclusive garantindo votos em seu próprio partido. De acordo com o levantamento feito pelo Valor, até semana passada nem metade dos parlamentares do PSD estava disposta a se declarar governista.
Além disso, nos bastidores, deputados de Pros, PSC, Avante e Patriota – partidos menores desse grupo que vem se aproximando de Bolsonaro-, não escondem a insatisfação pela preferência do presidente em contemplar os aliados com bancadas mais robustas. O tema foi abordado por Otoni de Paula (PSC-RJ) em café da manhã com o presidente na semana passada. Ele fez um pedido de “tratamento igualitário” em relação ao demais, já que os nove parlamentares da legenda apoiam o governo, sendo a única das dez siglas desse chamado G10 que fechou questão em relação ao embarque no governo.
Líder do PL na Câmara, o deputado Wellington Roberto (PB) também atua na linha de frente da composição da base ao lado de Lira e relativiza as baixas dentro do bloco, entre elas as nove observadas em sua bancada de 38 integrantes. “Em relação ao PL, posso garantir que há harmonia e convergência para vestir a camisa do Brasil. É lógico que a decisão não é unânime e que há uma minoria dissidente”, disse Wellington Roberto.
O aumento dessa base de apoio dependerá de novas concessões do governo, afirmaram fontes ao Valor. Para esses parlamentares, “o preço do embarque fica cada vez mais caro”, conforme a necessidade de um maior respaldo do presidente e seu grupo político no Congresso.
Por outro lado, o histórico do Centrão também demonstra que seus parlamentares podem desembarcar do governo, se a Presidência enfrentar uma crise de maior magnitude. Foi o que abriu caminho, por exemplo, para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A nova base governista teve dificuldades de aprovar projetos de interesse do Executivo em junho. Nos últimos dias, nenhuma matéria considerada polêmica foi colocada em votação, mas Bolsonaro terá a oportunidade de testar sua nova base durante a tramitação do projeto que tratará da prorrogação do pagamento de auxílio emergencial a trabalhadores informais e autônomos em função na pandemia.
Maia demonstrou ser favorável a prorrogar o benefício por dois meses, com duas parcelas de R$ 600. O governo quer um formato de redução escalonada, com três parcelas, de R$ 500, R$ 400 e R$ 300.
O líder do PP, Arthur Lira, por meio de sua assessoria, afirmou que a base apoia os projetos importantes para o país e que sempre orientará a bancada nesta direção.