Centrão não gostou do novo ministro das Comunicações
Foto: Zeca Ribeiro
A nomeação do deputado Fábio Faria (PSD-RN) para o Ministério das Comunicações, recriado sob medida para o parlamentar, foi lida por aliados do presidente da República e por parlamentares como um gesto de Jair Bolsonaro para reorganizar sua política de comunicação, diminuir a influência de militares na área e acenar para setores do Congresso.
A criação da nova pasta e a indicação de Faria para comandá-la foram anunciadas na noite de quarta (10) por Bolsonaro. Com isso, o governo passa a ter 23 ministros, 8 a mais do que os 15 prometidos durante a campanha eleitoral.
Apesar de o novo ministro ser do chamado centrão, que se aproximou do presidente e tem indicado nomes para cargos no governo, em um primeiro momento a escolha de Faria não foi bem recebida por uma ala do grupo. Depois, a situação acabou contornada.
Integrantes de PP, PL e Republicanos relataram um desconforto inicial com o fato de Bolsonaro ter dado um cargo no primeiro escalão do governo a um deputado do PSD, partido que, publicamente, diz não fazer parte do centrão.
No comando do novo ministério, entretanto, o deputado deverá trocar as direções dos Correios e da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), diminuindo o espaço da cúpula militar e podendo abrir espaço para indicações políticas. A ideia é que as duas empresas públicas sejam entregues a indicados de outras siglas do centrão.
Hoje, as estruturas federais são comandadas por dois generais: Luiz Carlos Pereira Gomes, na EBC, e Floriano Peixoto Vieira Neto, nos Correios. Para evitar um incômodo com os novos aliados no Congresso, assessores presidenciais defendem que os cargos sejam entregues a indicados de partidos como PP, PL e Republicanos.
Na noite desta quinta (11), em sua live semanal, Bolsonaro buscou justificar a criação da nova pasta. “Vamos tentar melhorar as comunicações do governo. Mas vamos tentar melhorar a comunicação no geral”, afirmou.
Antes, membros da articulação política do Palácio do Planalto entraram em contato com líderes do centrão para buscar contornar a insatisfação inicial de alguns integrantes das siglas. O líder do PP, Arthur Lira, por exemplo, se reuniu com Bolsonaro no Palácio da Alvorada.
A expectativa é de que o novo ministro das Comunicações se encontre nesta sexta-feira (12) com o presidente da República para discutir as indicações na pasta.
Apesar de Bolsonaro afirmar que Faria foi uma indicação pessoal dele, e não partidária, dirigentes do centrão afirmam que o presidente do PSD, Gilberto Kassab, estava ciente da articulação política e que seu partido foi contemplado com a nomeação.
Kassab foi ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) e mantém interesses no setor. No início da atual gestão, ele ainda tinha aliados no conselho de administração dos Correios.
À Folha o presidente do PSD disse que não sabia da indicação e afirmou que o seu partido não ingressará na base do governo porque tem quadros que são oposição a Bolsonaro. Assim, segundo ele, manterá postura de independência.
A provável mudança no comando das duas empresas públicas deve retomar o debate no governo sobre a privatização de ambas. À frente das estruturas federais, a cúpula militar vinha resistindo à pressão da equipe econômica.
Com a criação da pasta, o núcleo fardado, pelo plano gestado, também perde o controle sobre a comunicação institucional do Palácio do Planalto. O presidente passou para as Comunicações a Secom (Secretaria Especial de Comunicação), antes subordinada à Secretaria de Governo, comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos.
O chefe da Secom, Fabio Wajngarten, foi nomeado secretário-executivo da nova pasta, mas para cuidar apenas da comunicação institucional. Nos últimos meses, Wajngarten, afinado ao núcleo ideológico, se queixava de interferências do grupo militar nos conteúdos produzidos pelo governo.
Pessoas ligadas a Faria, no entanto, foram informadas de que a cúpula militar do governo discutia, na tarde desta quinta, a volta da Secom e de Wajngarten para o Palácio do Planalto.
Nas conversas, os generais avaliaram que seria arriscado deixar sob a responsabilidade de Faria a destinação de verbas publicitárias do governo e que caberia ao Planalto controlar as diretrizes de sua propaganda.
Segundo caciques do centrão, apesar de ter havido um desconforto inicial na escolha de Faria, ela não resulta em abalo com o governo, sobretudo pelo perfil agregador do novo ministro, que tem boa relação com os líderes de outros partidos.
Ao dar o ministério a Faria, Bolsonaro agradou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), amigo do deputado. Faria telefonou na noite de quarta para Maia e informou que seria nomeado ministro. Em seguida, esteve na casa dele.
Nesta quinta, em uma live, Maia elogiou escolha de Faria e parabenizou Bolsonaro por, segundo ele, começar a “fazer política”.
“O que a gente precisa entender e aplaudir é a mudança do presidente de começar a fazer política. Acho que isso ajuda”, afirmou.
Para alguns líderes partidários, a nomeação de Faria foi o gesto mais consistente feito por Bolsonaro para agradar a classe política desde que ele assumiu o mandato. No início do governo, o presidente disse que não governaria com o que chamava de “velha política”.
A avaliação no Congresso é a de que o presidente precisou agir de modo mais agressivo para mais uma vez garantir apoios num momento em que enfrenta protestos nas ruas, é alvo de ações que pedem a cassação de sua chapa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e vê o inquérito das fake news no STF (Supremo Tribunal Federal) atingir seus aliados.
Em outra frente, com o perfil agregador de Faria, Bolsonaro tenta imprimir um novo modelo de comunicação no governo, buscando inclusive, estabelecer nova relação com as emissoras.
O novo ministro é genro de Silvio Santos, dono do SBT. Considerado habilidoso, teria como missão manter bom relacionamento também com outras empresas do setor e pacificar relações com a imprensa e políticos.
De acordo com integrantes do governo que acompanham o tema, a indicação de Faria e a transferência da Secom para as Comunicações fazem parte de um gesto de Bolsonaro de tentar melhorar sua interlocução com a Globo, a maior emissora do país.
Tanto o presidente quanto Wajngarten são críticos do grupo carioca. Faria, embora genro do dono do SBT, é visto pelos diretores da empresa como um político aberto para o diálogo.
Militares do governo, no entanto, avaliavam o potencial risco de conflito de interesse. Já sob Wajngarten, o SBT vinha recebendo mais recursos da Secom mesmo tendo audiência bastante inferior. Esse movimento também ocorreu com a Record, do bispo Edir Macedo. Ambas são aliadas de Bolsonaro.
A distribuição de verbas da Secom é questionada pelo TCU (Tribunal de Contas da União), que analisa os critérios apresentados pelo governo.
Para os militares, poderia haver problemas mesmo se a Globo voltasse a receber as verbas de acordo com o critério técnico (quem tem mais audiência recebe mais recursos).
Com a missão de pacificar a relação com a Globo, Faria poderia se tornar alvo de militantes pró-governo que defendem o rompimento com a emissora.
As tratativas para a nomeação foram intensificadas na semana passada, quando Bolsonaro reclamou a Faria da forma como estava sendo tocada a área das comunicações e disse que queria reformulá-la.
Com a recriação do Ministério das Comunicações, a pasta de Ciência e Tecnologia seguirá comandada pelo astronauta Marcos Pontes.
Apesar da promessa de só 15 ministérios durante a campanha eleitoral, o presidente ainda avalia a criação de um 24º ainda neste ano, com um possível desmembramento do Ministério da Justiça para a formação da pasta da Segurança Pública.
Com a criação de Comunicações, diminuiu ainda mais o percentual de mulheres em comparação ao de homens no primeiro escalão do governo. Com apenas duas representantes, Damares Alves (Mulheres) e Tereza Cristina (Agricultura), elas correspondem a 8,7% do total.
A tímida presença feminina também era uma marca na gestão Michel Temer —que, ao ser concluída, tinha apenas uma mulher entre seus 29 ministros.
Na recente distribuição de cargos do governo Bolsonaro para siglas do centrão, parte da negociação para formar uma base no Congresso Nacional e também blindar eventuais articulações pró-impeachment, o presidente já fez outras sinalizações ao PSD.
Ele entregou ao partido a presidência da Funasa, chefiada pelo ex-comandante da PM Giovanne Gomes da Silva. Ele também nomeou Carlos Roberto Fortner, ex-presidente dos Correios, para Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.
Legendas como o PP e PL também já foram contempladas, mas até o momento com postos no segundo escalão. Com a nomeação de Fábio Faria, pela primeira vez desde a aproximação com o bloco, um parlamentar do grupo chegou ao comando de um ministério.