Começa a surgir descontentamento com Bolsonaro nas Armadas

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Foto: Marcos Corrêa/PR

O tenente-brigadeiro Nivaldo Rossato, ex-comandante da Força Aérea do Brasileira (FAB), enviou aos colegas brigadeiros um documento no qual critica duramente a atual gestão do Ministério da Defesa e a decisão do presidente Jair Bolsonaro de permitir ao Exército ter aviação de asa fixa.

O Estadão mostrou que o decreto que permitiu ao Exército ter aviões causou críticas de brigadeiros e reação em peso da oficialidade da FAB. No documento de duas páginas, Rossato afirma que, “em sendo aceita a vontade do Exército Brasileiro, ficaria patente a dificuldade do Ministério da Defesa de otimizar os recursos e validar a tão sonhada complementaridade de nossas Forças Armadas”.

O documento de Rossato, com o título Asa Fixa do Exército diz que, em 2017, a possibilidade de dar ao Exército aviões foi discutida em reunião do Ministério da Defesa com a presença do ministro, dos comandantes das três Forças e do chefe do Estado-Maior Conjunto. “O comando da Aeronáutica, apresentando fundamentadas razões, posicionou-se contrário à decisão unilateral do Exército.”

Rossato não diz, mas a Aeronáutica não foi a única a ser contrária à medida. Documento feito pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz apresentado um ano antes ao Estado-Maior do Exército, também afirmava que a aviação de asa fixa devia permanecer com a Aeronáutica. As razões, além da economicidade, eram a necessidade de operação conjunta e interoperabilidade das Forças. Uma das lições aprendidas num teatro de operações moderno era o da Guerra das Malvinas, em 1982, em plena Guerra Fria, onde as ações conjuntas argentinas fracassaram, levando à derrota na guerra para os britânicos.

Oficiais ouvidos pelo Estadão creditam ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, a iniciativa de dar ao Exército a aviação de asa fixa. Ex-comandante da Brigada Paraquedista, Azevedo e Silva assinou o decreto em companhia de Bolsonaro, outro ex-paraquedista. A brigada depende dos aviões da FAB para parte de seus deslocamentos.

Na carta de Rosatto, à qual o Estadão teve acesso, o ex-comandante da Aeronáutica afirma que as “razões do posicionamento da Força Aérea são facilmente identificadas e reforçadas pela gênese da Força e do Ministério da Defesa, associados à sempre indispensável necessidade de otimização dos parcos recursos para que nosso País mantenha uma mínima capacidade dissuasória”. Outro tenente-brigadeiro ouvido pelo Estadão foi ainda mais enfático: “Enquanto a FAB tiver aviões parados por falta de recursos não é momento de o Exército ter sua aviação. Capitães são afastados do voo por não haver esforço aéreo suficiente para que possam voar.”

Rossato fez um balanço da situação da Força que comandou até janeiro de 2019. “A Força Aérea tem uma frota de 100 aviões de transporte, com potencial de voar acima de 50 mil horas anuais. Entretanto, consegue voar pouco mais da metade deste esforço aéreo por absoluta falta de recursos financeiros que poderiam ser priorizados pelo Ministério da Defesa”.

Para ele, “alocar recursos de dezenas de milhões de dólares para treinar tripulações, adquirir e adequar aeronaves para o Exército enquanto dezenas de aeronaves da Força Aérea estão paradas por falta destes mesmos recursos chega a ser um acinte no momento em que as dificuldades orçamentárias comprometem a missão das Forças Armadas”.

Rossato afirma ser inegável a necessidade de garantir suporte aéreo aos pelotões de fronteira da Amazônia e que isso preciso melhorar. “Aí estaria uma oportunidade ímpar de corrigir o rumo e mostrar aos brasileiros que sabemos otimizar nossos recursos”. Mas, segundo ele, optou-se, acima do interesse coletivo, satisfazer interesses setoriais no Ministério da Defesa, em vez de se colocar a “imparcialidade e o interesse da nação acima do corporativismo de uma ou outra Força Armada”. E conclui: “Com este decreto, constatamos, com pesar, que o Ministério da Defesa não confirma uma das principais razões de sua existência: a integração e a interoperabilidade entre as Forças Armadas”.

Outro brigadeiro ouvido pelo Estadão, Sérgio Xavier Ferolla, que dirigiu a Escola Superior de Guerra e presidiu o Superior Tribunal Militar (STM), também criticou a oportunidade em que a decisão de permitir ao Exército ter aviação de asa fixa foi tomada. Ferolla foi um dos oficiais que ajudaram na segunda metade dos anos 1980 o Exército a criar sua Aviação, composta por helicópteros e sediada em Taubaté (SP).

Já o major-brigadeiro Jorge Kersul, afirmou que seus colegas não são contra a aviação de asa fixa do Exército. E afirmou que é importante frisar essa questão. Ele admite a discussão sobre a oportunidade e sobre os meios que o Exército pretende adquirir. Mas, no fim, chegou a desejar “boa sorte para o Exército”.

O Estadão procurou ainda o major-brigadeiro Marco Antonio Carballo Perez, presidente do Clube da Aeronáutica (CAER). Ao Estadão, Perez afirmou que “não cabe ao CAER comentar decretos presidenciais”. “Eu, como pessoa física tenho uma opinião, mas como Presidente do Clube, não devo me manifestar. Isso é um assunto do Ministério da Defesa.” O Ministério da Defesa informou que deve apresentar na segunda-feira os questionamentos feitos pelo Estadão sobre o decreto. O Estadão apurou que o Exército não tem plano de curto prazo para adquirir aviões.

Estadão