Decotelli pode enfrentar processo criminal por mentir em currículo

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Foto: MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL

Acadêmicos respeitados, pesquisadores reconhecidos e acusados de fraudar o próprio currículo. Em pouco mais de um ano e meio o país viu dois nomes com “bagagem robusta” serem acusados de mentir a formação.

Em maio do ano passado, a química Joana D’Arc Félix de Souza, que afirmava ter concluído pós-doutorado na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, acabou sendo desmentida pela instituição. Agora, Carlos Alberto Decotelli, professor indicado como nome pacificador para o Ministério da Educação (MEC), enfrenta a mesma polêmica.

Mentir o currículo pode ser classificado como falsidade ideológica, segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles. A pena prevista é de até cinco anos de prisão e multa. Se houver fraude em documentos, a situação se agrava ainda mais.

O currículo de Decotelli passou a levantar suspeitas de fraude após as universidades de Rosário, na Argentina, e a de Wuppertal, na Alemanha, contestaram títulos que ele diz ter. Ele cursou um doutorado, mas não teve a tese aprovada. Ele participou de uma pesquisa, mas não obteve nenhum título.

Após a polêmica, o currículo de Decotelli será reavaliado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a posse, que estava prevista para esta terça-feira (30/06), acabou adiada. Bem recebido dentro do governo e até mesmo pelo Congresso, a ida de Decotelli para o ministério passou a figurar mais um embaraço no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Três artigos do Código Penal Brasileiro tratam dessas infrações, que podem ser enquadradas como falsificação de documento público, de documento particular e falsidade ideológica. Para especialistas, não há dúvidas: mentir no currículo é crime.

O que diz o Código Penal Brasileiro?

Falsificação de documento público (art. 297): Consiste em “falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro”.

Falsificação de documento particular (art. 298): “Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro”.

Falsidade ideológica (art. 299): “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Para a advogada Denise Vargas, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pós-graduada em Direito Penal e Processual pela Universidade Cândido Mendes, explica que a conduta de Decotelli pode ser enquadrada no artigo 299 do Código Penal, que trata de falsidade ideológica.

“Ele não apresentou um diploma falso, mas sim, deu a informação falsa sobre a titulação. Nesse caso, em tese, a conduta é de falsidade ideológica. Se ele tiver falsificado o documento, pode ser enquadrado também em falsificação documental”, defende a especialista.

Denise ressalta que omitir, inserir ou modificar informação em documento público ou particular de forma que altere a verdade já configura o delito. “Ele informou falsamente a titulação. No caso específico dele [indicado para ministro da Educação], juridicamente é relevante a qualificação técnica”, finaliza.

O professor Decotelli inseriu informações falsas na plataforma Lattes, banco de currículos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entidade ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e no site do MEC. A última atualização nos perfis dele ocorreu nesta segunda-feira (29/06), em que foi retirada a informação do pós-doutorado e colocada que ele não concluiu o doutorado.

A especialista ainda faz um alerta. Não existe título de pós-doutorado, que é um estágio ou pesquisa feito por um portador do título de doutor numa universidade ou instituição de pesquisa. “Isso levanta outra dúvida. Como se fez estudos de pós-doutorado se ele não conseguiu concluir o doutorado?”, pondera.

O advogado e consultor jurídico André Mattos aponta que caso a fraude seja confirmada, pode haver repercussão criminal. “Sobretudo porque a aceitação para alguns serviços, sejam eles públicos ou privados, exigem a comprovação de títulos, tais como mestrado e doutorado”, destaca. Decotelli foi professor universitário.

Ele completa. “Eventualmente, poderá haver uma repercussão no campo da ética, mas não uma demissão automática, haja vista que, para o exercício do cargo ocupado, não há a necessidade de comprovação de que tenha mestrado ou doutorado”, explica.

No Congresso, tramita um projeto de lei que pretende criminalizar a conduta de obter benefício econômico mediante falsa titulação acadêmica. De autoria do senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o texto acrescenta entre os crimes de falsidade documental a utilização de falsos títulos acadêmicos.

Atualmente, o projeto está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. O texto está desde julho de 2019 com o relator da matéria, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O Metrópoles pediu ao MEC esclarecimentos sobre a formação acadêmica de Decotelli e o que causou essas incongruência no currículo dele. A pasta não se manifestou até a última atualização deste texto. O espaço continua aberto.

Metrópoles