Delegada da PF tentou cancelar operação contra Bolsonaristas
Foto: Jorge William / Agência O Globo
Alvo de pressões recentes do presidente Jair Bolsonaro, a Polícia Federal pediu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para “postergar” ou cancelar a operação de busca e apreensão contra bolsonaristas suspeitos de envolvimento em atos antidemocráticos, deflagrada na última terça-feira e batizada de Operação Lume. A corporação argumentou que a realização das “diversas medidas propostas em etapa tão inicial” da investigação traria “risco desnecessário” à estabilidade das instituições.
A ação foi realizada a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que em abril solicitou abertura do inquérito sobre os atos antidemocráticos, sob suspeita de que esses atos ocorriam de forma orquestrada em conjunto com empresários e parlamentares.
Assinada pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, a manifestação para adiar ou “recolher” os mandados de busca e apreensão é incomum e acabou provocando atraso na deflagração da operação, que estava prevista para ser realizada no início desse mês. Essa manifestação da Polícia Federal foi vista com estranheza no STF, já que a Polícia Federal é obrigada a cumprir mandados expedidos pelo Judiciário e não tem a atribuição de opinar sobre essas ações. Segundo fontes do STF, após o ocorrido, Moraes analisa um pedido da PGR para afastar a delegada do caso.
A delegada enviou a manifestação ao Supremo uma semana após ter recebido a decisão de Alexandre de Moraes, proferida no dia 27 de maio, que determinou buscas e apreensões contra bolsonaristas. A operação deveria ter sido deflagrada logo em seguida, mas, diante da resistência da PF, acabou sendo cumprida apenas na última terça-feira, 16 de junho, portanto 20 dias após a ordem do STF. A operação cumpriu busca e apreensão contra 21 alvos bolsonaristas e também determinou a quebra do sigilo bancário de 11 parlamentares da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro.
No documento, a delegada pediu a Moraes “pela postergação do cumprimento ou pelo recolhimento das ordens já emanadas” e defendeu a necessidade de realização de diligências preliminares para avaliar a necessidade das medidas solicitadas pela PGR. A manifestação da delegada é do dia 4 de junho. “Pela postergação do cumprimento ou pelo recolhimento das ordens já emanadas, a fim de que o direcionamento dos recursos da Polícia Federal seja inicialmente empregado na obtenção de dados de interesse e no preenchimento das diversas lacunas das hipóteses criminais aqui apresentadas”, escreveu a PF.
A PF virou um foco de atritos do presidente Jair Bolsonaro desde que ele tentou trocar o ex-diretor-geral Maurício Valeixo, o que gerou a demissão do então ministro da Justiça Sergio Moro. O inquérito dos atos antidemocráticos é conduzido por uma equipe designada especialmente pelo ministro Alexandre de Moraes, a mesma que toca o inquérito das fake news, comandada pelo delegado Igor Romário de Paula. Em um despacho, Moraes garantiu a independência deles para atuar neste caso, sem necessidade de se subordinar ao novo diretor-geral da PF Rolando Alexandre de Souza, indicado pessoalmente por Bolsonaro após a saída de Valeixo.
Em sua manifestação de nove páginas, a delegada afirma ao ministro Alexandre de Moraes que a realização de tantas diligências em etapa inicial provocaria uma “perda de energia” e um “risco de aumento do escopo” da investigação, além de torná-la “menos objetiva, menos transparente e mais onerosa. Ela também destacou que as medidas trariam risco “à estabilidade das instituições”.
O documento também questiona ao ministro se a PF terá independência para realizar suas linhas de investigação próprias neste caso ou se vai “atuar limitadamente como longa manus do juízo, restringindo-se ao mero papel de executora de ordens”.
“A realização conjunta das diversas medidas propostas em etapa tão inicial da investigação tem o potencial de gerar um grande volume de dados relativos a várias pessoas que estão teoricamente vinculadas a diversos fatos, dispersando a energia do Estado para múltiplos caminhos e com risco de aumento do escopo em progressão geométrica, o que inevitavelmente tonará a investigação mais complexa, ainda que, de fato, ela não seja. Com isso, ela se tornará menos objetiva, menos transparente, mais onerosa e — o principal quando se trata do tipo de associação criminosa aqui tratada — muito mais lenta, com risco desnecessário para as vítimas em potencial e para a própria estabilidade das instituições”, escreveu a delegada.
A manifestação da PF diverge da própria decisão do ministro Alexandre de Moraes, que apontou existirem indícios reais de uma associação criminosa formada para cometer crimes contra o Estado Democrático de Direito e considerou existirem fundamentos suficientes para autorizar as buscas e apreensões e outras medidas.
Na conclusão do ofício, Denisse faz três pedidos: um prazo de dez dias para diligências preliminares que permitam à PF definir hipóteses para a investigação; prévia autorização para conduzir diligências que não precisem de decisão judicial como tomada de depoimentos; e a “postergação” e “recolhimento” dos mandados expedidos. O ministro não concordou com a manifestação da delegada e manteve a decisão de realizar a operação.
Em uma outra investigação na qual atuou, a delegada Denisse também já tinha feito reclamação semelhante. Na Operação Zelotes, ela escreveu um relatório no qual criticou falta de “foco” dos órgãos parceiros da investigação e apontou que isso atrapalhou no resultado final do caso.