Desmatamento afasta investimento estrangeiro no país

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Foto: Reprodução/ Metrópoles

A ativista Greta Thunberg nem falou nada sobre o Brasil ultimamente, mas o país está cada vez mais queimado em termos de reputação ambiental, o que já causa efeitos negativos práticos no setor financeiro. Dados divulgados na quarta (24/06) pelo Banco Central registram que a saída líquida de investimentos do Brasil nos últimos 12 meses somou US$ 50,9 bilhões. No mesmo dia, os dois maiores banqueiros do país cobraram o governo sobre a questão ambiental, ecoando grupos internacionais que administram cerca de US$ 3,7 trilhões em ativos e criticaram o aumento no desmatamento e a redução da fiscalização, sinalizando que podem rever suas posições por aqui.

“A pressão ambiental é algo relativamente novo na equação dos fundos, mas está crescendo e pode, no futuro, ficar comparável à questão dos direitos humanos, que causa embargos econômicos. No caminho que estamos, corremos o risco de sermos os primeiros a ser punidos por isso”, alerta o professor Leonardo Paz, do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O especialista lembra que, apesar de críticas de 29 fundos liderados pelo Storebrand, da Noruega, nenhum fundo ainda efetivamente anunciou um boicote ao Brasil.

As perdas de investimentos, por enquanto, podem ser colocadas na conta principalmente de uma “fuga para a qualidade” dos fundos, que deixam mercados emergentes e aportam em mercados como o norte-americano. A má fama do Brasil deve, no entanto, dificultar a retomada da atração de investimentos, já que há opções que não vão causar críticas de acionistas por questões éticas.

“Em algum momento, essa retórica ambiental vai se transformar em prática e a política do governo Bolsonaro nos deixa jogando com essa possibilidade, de virar exemplo”, afirma Paz. “Mas essa pressão também pode funcionar e fazer a política mudar. A pressão que os banqueiros fizeram pode ser o fator que levará o governo a acordar”, prevê.

O professor citou falas dos presidentes do Bradesco e do Itaú-Unibanco. Para Octavio de Lazari, do Bradesco, “nós temos de reconhecer que fizemos muito pouco” em relação a “aquecimento global, reflorestamento, derrubada, de qualidade do ar, da água”. Já Candido Bracher, do Itaú, disse que “as consequências ambientais podem até vir de uma maneira mais lenta do que as da saúde, como a Covid-19, mas são mais duradouras e difíceis de reverter”.

Segundo o sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de agosto de 2018 a julho de 2019 o desmatamento na Amazônia cresceu 35% em relação aos 12 meses anteriores. Os alertas no sistema Deter, também do Inpe, de 1º de agosto de 2019 até 11 de junho deste ano, sinalizaram a derrubada de 6.870 km² de floresta. Com 50 dias a menos nesta medição, o número já é maior do que o registrado entre 1º de agosto de 2018 e 31 de julho de 2019 – 6.844 km².

Os dados do Deter estão em alta há 13 meses seguidos, alarmando entidades de proteção ao meio ambiente dentro e fora do Brasil e criando uma onda de cobertura negativa na mídia internacional, inflada pela repercussão da divulgação de uma fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial de 22 de abril.

Salles sugeriu usar o período de pandemia de coronavírus para aproveitar a menor atenção da imprensa e derrubar medidas regulatórias na área do meio ambiente. “Para passar a boiada”, ilustrou o ministro.

O governo demorou a reagir às críticas dos investidores. O Ministério das Relações Exteriores confirmou que “a carta foi recebida por algumas embaixadas brasileiras e informou que, “no momento, o ministério está examinando a questão, em coordenação com os demais órgãos com competência sobre o tema no governo brasileiro”.

Em transmissão pelo YouTube na noite de quarta (24/06) justamente sobre a economia no pós-pandemia, o chanceler Ernesto Araújo não citou as críticas e pintou um cenário positivo para a economia brasileira quando o coronavírus passar. “As oportunidades que o Brasil oferece para investimento, por exemplo, no portfólio de infraestrutura, interessam muitos países”, disse ele, que celebrou ainda acordos comerciais dos quais o Brasil participa, como o do Mercosul com a União Europeia, que disse estar perto da confirmação apesar justamente de pressões ambientais de alguns países europeus.

Para o ministro das Relações Exteriores, o Brasil na verdade está no caminho certo na atração de investimento, tanto que está cumprindo os passos para ingressar na OCDE, o clube dos países ricos seguidores do liberalismo econômico.

No Twitter, o presidente Jair Bolsonaro comentou com um “joinha” uma postagem de sua Secretaria de Comunicação com uma notícia “que você dificilmente encontrará por aí”. A notícia é de que “voltamos à lista dos 25 países mais confiáveis para investimentos”, segundo uma votação feita por executivos das 500 maiores empresas do mundo.

É verdade, segundo esta reportagem da Agência Brasil, mas o que a Secom não mostra é que o Brasil só ficou fora da tal lista por um ano: 2019, quando Bolsonaro já era presidente.

 

Mais econômico no otimismo, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, disse que o Brasil “responderá com a verdade e com trabalho responsável em prol da proteção e preservação da Amazônia”, segundo foi registrado pelo Estadão.

Mourão coordena o Conselho da Amazônia e a intervenção militar ambiental na região, mas ainda não conseguiu apresentar resultados concretos para exibir.

Para o cientista político Lucas de Aragão, da consultoria Arko Advice, a resposta que Mourão tenta dar, de apresentar resultados na queda do desmatamento, tentando mudar a imagem de conivência do governo com a prática, é a única forma de frear as más notícias.

“Programas ou palavras já não adiantam muito neste momento”, afirma ele, que explica ainda que há investidores que não se importam com questões políticas ou ambientais desde que lucrem, mas que o Brasil não está em posição de abrir mão dos que se importam.

“Essa situação perturba nossa relação com uma fatia importante do dinheiro internacional. Os fundos soberanos operados por países, os fundos de famílias muito ricas e fundos europeus, de modo geral, tendem a ter entre suas regras preocupações ambientais”, afirma Aragão.

“Já os fundos norte-americanos e os fundos médios mais agressivos tendem a se preocupar menos, mas isso também pode mudar. A grande questão é que não dá para o governo fechar os olhos para o desmatamento, isso prejudica o país em todos os sentidos”, avalia.

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