Em SP, quanto mais abertura mais mortes
Foto: Reprodução/ Folha
Cidades do interior do estado de São Paulo que iniciaram o plano de flexibilização com maior reabertura —e depois tiveram que regredir —tiveram crescimento nas internações e mortes por coronavírus maior do que a média.
O governo João Doria (PSDB) começou a implantar a reabertura no início de junho, estabelecendo classificações que iriam de um, mais rígida, a cinco, de reabertura.
Na ocasião, as regiões dos municípios de Araraquara, Bauru, Barretos e Presidente Prudente, no interior paulista, foram classificados logo na fase 3 (amarela).
Esse estágio, no qual a capital paulista acaba de entrar, permite a abertura de bares, restaurantes e salões de cabeleireiros, além de estabelecimentos permitidos nas fases anteriores, como comércio de rua, shoppings e escritórios.
Os índices foram estabelecidos pelo comitê de saúde, levando em consideração índices como ocupação de leitos de UTI, crescimento da doença e mortes. As quatro regiões tiveram que regredir à fase 1 ou 2 devido a piora nestes índices.
Quase um mês depois, as áreas das quatro cidades tiveram crescimento de internações acima da média do estado. Segundo levantamento feito a partir de dados do governo, o índice de novas internações nos últimos sete dias aumentou 62%, passando de 407 para 660, na comparação entre os dias 1º e 25 de junho.
Essa taxa diária contabiliza sempre a quantidade de internações de casos confirmados e suspeitos nos últimos sete dias, contando UTI e enfermaria. O estado todo, por exemplo, teve aumento de 10% no período —de 11.743 para 12.957.
A cidade de São Paulo, que começou na fase 2, um pouco mais restritiva, teve queda de 6% no índice, que saiu de 5.679 para 5.341.
Integrantes do governo de SP afirmam que o aumento nessas áreas faz parte da interiorização da doença e que em alguns lugares do interior houve alto índice de descumprimento do isolamento social.
No entanto, mesmo comparando com cidades do interior que iniciaram em estágio mais restrito, as quatro áreas tiveram índice de crescimento em internações ligeiramente maior. Retirando as quatro regiões que iniciaram na fase 3, o crescimento de internações no interior foi de 56%.
A região com maior aumento foi Presidente Prudente, de 185%, que passou de 41 para 117 internações, comparando 1º e 25 de junho. A cidade regrediu à fase vermelha.
Quando se olha as mortes, embora os casos ainda sejam numericamente na casa de um dígito, essas regiões tiveram aumentos maiores do que o resto do estado, todas acima de 100% quando se contabiliza a média móvel de óbitos. A variação no estado foi de 20%.
Para o epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP Eliseu Alves Waldman, o início menos restrito no interior pesou no processo da interiorização do coronavírus. “Essas cidades que mudaram de fase estavam numa situação bem confortável e de uma hora para outra os hospitais e UTIs começaram a lotar, que é o que aconteceu também no Sul [do país]”, disse.
O epidemiologista pontua, porém, que há problemas causados por falta de políticas localizadas e pela própria população. Ele afirma que as prefeituras deveriam passar a fazer programas de testagem eficientes. Além disso, é preciso que os protocolos continuem sendo seguidos.
“O grande problema é o seguinte: você não pode entender como parece que entenderam como volta ao normal. Você tem que garantir todas as medidas que estão sendo propostas desde o início, como uso de máscaras, distanciamento de 1,5 metro e outras”, diz Waldman.
O coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, Carlos Carvalho, afirma que é impossível saber se a classificação inicial das regiões influenciou porque a aplicação ou não dos protocolos cabe às cidades.
“O plano ele faz sugestões. Alguns prefeitos implantaram essas sugestões, outros prefeitos não implantaram. Me mandaram foto de locais no interior onde estava todo mundo sem máscara e bebendo às 22h. Eu não sei se foi restrição proporcional às cores que nós sugerimos”, disse. “Eu não tenho como saber se o prefeito aderiu ou não aderiu, se fez a vigilância correta ou não. Eu não posso dizer que plano está errado se eu não acompanhei a implantação”.
Secretário de Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi, afirma que aceleração nas cidades que iniciaram na fase amarela está no mesmo contexto de interiorização da doença que afetou todo o interior.
Responsável pela ponte com prefeitos do interior, Vinholi diz que a percepção da dimensão da pandemia começa a mudar nas cidades do estado, o que pode gerar uma mudança de atitude. “A região de Prudente, por exemplo, começa a sentir agora. A gente tinha o menor delta do estado de isolamento na região”.
Patrícia Ellen, secretária de Desenvolvimento Econômico, frisa que os protocolos do governo podem mudar a qualquer momento. “O Plano São Paulo não é de flexibilização, ele é de gestão e convivência com a pandemia. Se aumenta [a doença], nós temos gatilhos para aumentar as restrições”.
Como a pandemia começou na capital, hoje reabrindo, é possível que cidades do interior acabem ficando mais tempo ainda com restrições, sentindo um maior impacto econômico.
A secretária diz que a gestão Doria mobilizou R$ 650 milhões em crédito para funcionar como capital de giro, mas também é importante que o governo federal haja também neste sentido de expansão de crédito.
Enquanto o interior sofre cada vez mais restrições, a gestão Covas prepara a reabertura de bares e restaurantes a partir da próxima semana.
A cidade vem tendo queda consistente nas internações, mas, para especialistas, dependerá muito de como a população vai encarar a nova etapa se São Paulo terá destino similar a outras regiões que passaram pela fase amarela.
Se a população mantiver protocolos de isolamento e higiene, pode se manter nesta faixa. Caso contrário, pode viver uma segunda onda.
Carlos Carvalho, do comitê de contingência, afirma que a tendência de queda se deve a aderência da população em fases anteriores, quando o isolamento chegou perto de 60%. “Se começar festinha, boteco, bar, se isso ocorrer, eu não tenho dúvida, que vai aumentar o número de casos aqui”.
Eliseu Alves Waldman, da USP, segue na mesma linha. “A população tem que ter consciência que não é volta a normalidade, só uma flexibilização com possibilidade de retorno de medidas mais duras”, diz.