Empresários bolsonaristas pulam fora do barco
Foto: Divulgação / Agência O Globo
Criado há dois anos com a ambição de ser um “think tank” liberal, o Instituto Brasil 200, formado por empresários de direita, vive uma crise de representatividade e atuação. Os problemas começaram quando integrantes do grupo passaram a ter uma atuação política considerada mais radical e foram agravados pela investigação que apura financiamento a fake news — dois integrantes são alvo do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O grau de proximidade com o governo Jair Bolsonaro também dividiu o grupo. Nos próximos dias, o instituto anunciará parceria inédita com programas sociais da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o que deve reforçar o coro dos descontentes com a politização da instituição.
Fundado em 2018 como plataforma para o projeto presidencial do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, o Brasil 200 tinha como objetivo elaborar políticas públicas de cunho liberal, com a cara da iniciativa privada. No Congresso, chegou a reunir uma frente parlamentar com mais de 200 deputados e senadores simpáticos à ideia e atuou forte pela reforma da Previdência. Mas, com a aproximação ideológica com o governo, começaram as dissidências.
Rocha foi o primeiro. Em maio, em artigo no jornal “Folha de S.Paulo”, ele anunciou desligamento do instituto e justificou dizendo não ter gostado de ver o Brasil 200 “envolvido no debate cotidiano da política”. Também saíram nomes como João Appolinário (Polishop), Sebastião Bomfim (Centauro) e Helcio Honda, diretor jurídico da Fiesp que chegou a ser o vice-presidente da entidade. Procurados, eles não quiseram falar.
O GLOBO ouviu na última semana uma série de empresários que foram ativos no instituto. Eles contaram que os incômodos começaram quando o grupo passou a atacar a China, maior parceiro comercial do país. Vários membros têm relações comerciais com o gigante asiático, mas o Brasil 200 endossou o tom crítico dos filhos do presidente à reação chinesa à epidemia. Também incomodou a defesa na flexibilização do acesso às armas, uma das bandeiras bolsonaristas. E há críticas de que a pauta do instituto era dominada às vezes por interesses de seus empresários mais influentes. Exemplo: nos debates da reforma tributária, a maior bandeira era a defesa do imposto único, obsessão de Flávio Rocha.
Gabriel Kanner, presidente do Brasil 200 e sobrinho de Rocha, minimiza os problemas. Ele nega ruptura com o tio e defende a pauta do instituto. Segundo ele, a defesa do armamento atende à essência conservadora do grupo e diz que é preciso debater o tema chinês:
— A China tem que ser responsabilizada pelo que aconteceu. É uma ditadura comunista e acabou agravando a pandemia mundial.
A investigação sobre o financiamento das fake news gerou novos constrangimentos. O episódio que liga o inquérito em tramitação no STF ao grupo é uma mensagem na qual o empresário Edgard Corona, da Smart Fit, diz aos outros membros que precisava de dinheiro para investir em marketing e impulsionar vídeos de ataques a Rodrigo Maia. A mensagem foi disparada em fevereiro, quando o debate da reforma tributária avançava em Brasília e integrantes do grupo divergiam da forma como o presidente da Câmara o conduzia. Outro membro do Brasil 200, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, também é investigado por suspeita de patrocinar fake news.
— A mensagem dele (Corona) não diz nada e não me recordo se tivemos comentários depois. Acredito que não teve ação consequente — afirmou Kanner, que diz não ter conversado com Corona ou Hang após a atuação da Polícia Federal e espera os próximos passos para decidir o futuro dos dois.
Ex-integrantes do grupo ouvidos pelo GLOBO sob anonimato afirmam que nunca se debateu abertamente eventual apoio às fake news. Mas admitem que a radicalização do discurso político do grupo pode ter criado um ambiente “confortável” para investidas como a de Corona. Nos próximos dias, o Brasil 200 deverá promover um evento para comunicar a entrada da entidade no conselho do Pátria Voluntária, programa social da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O grupo de empresários liberais não é o único com divergências políticas. Dez dias após serem lançados, os movimentos que propõem uma frente ampla pela democracia — o “Estamos Juntos —, formado por artistas, políticos, empresários e intelectuais, e o “Basta!”, encampado por advogados — estão com dificuldade para unir representantes políticos em torno do projeto. No início deste mês, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não se juntaria ao “Estamos Juntos”, apesar de Fernando Haddad, ex-candidato do PT à Presidência, ser um dos signatários. Lula justificou que não marchará ao lado de quem apoiou o impeachment de Dilma Rousseff. No campo conservador, o Movimento Brasil Livre (MBL) e a deputada Janaína Pascoal já se pronunciaram afirmando que as iniciativas são precipitadas.