Estudiosos dizem que Bolsonaro já pode ser chamado de fascista
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Jair Bolsonaro é fascista? Um ano e meio depois de o capitão ter assumido a Presidência, muitos do que se debruçam sobre seus discursos e práticas parecem ter perdido o receio de aplicar-lhe a pecha, ainda que com ressalvas.
Nas últimas semanas, a busca por elementos que liguem o bolsonarismo ao fascismo tomou parte do meio acadêmico. Fazer essa relação não é algo trivial.
Chamar alguém de fascista só não é mais grave do que dizer que fulano é nazista. E é mais sério até do que dizer que sicrano é stalinista, porque, incrivelmente, parte da esquerda continua festejando ditadores comunistas de ontem e de hoje.
Um exemplo foi um texto publicado no caderno Ilustríssima, da Folha, em 9 de junho. Assinado por oito acadêmicos ligados à USP, tem um título categórico: “Por que assistimos a uma volta do fascismo à brasileira”.
A tese ali exposta é que os elementos que ligam Bolsonaro a esta ideologia, que ficou identificada com o italiano Benito Mussolini a partir os anos 1920, são inúmeros: ultranacionalismo, aceitação da violência, intolerância ao contraditório, defesa da família patriarcal e religiosidade extremada, entre outros.
Outra iniciativa recente na mesma linha é o projeto “Bolsonarismo: o novo fascismo brasileiro”, do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia, da PUC-SP.
Seu objetivo é “compreender o atual estágio da crise da democracia liberal, constitucional e representativa, a ascensão de populismos de extrema direita, a degradação das instituições brasileiras e a ameaça política, social e humanitária representada pelo movimento social e político do bolsonarismo“.
O projeto, iniciado em 5 de junho, reúne 40 professores e pesquisadores, de diversas instituições de ensino e afiliações ideológicas.
Há desde conservadores clássicos como Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha, até nomes ligados a grupos liberais de oposição a Bolsonaro, como Livres e MBL (Movimento Brasil Livre). A coordenação-geral é de Eduardo Wolf, doutor em Filosofia pela USP e professor do Laboratório.
Entre os temas a serem estudados, estão o uso de redes sociais, disseminação de fake news, neopentecostalismo, influência dos militares e o olavismo (sim, o guru de Bolsonaro agora é um “ismo” estudado em universidades).
“É uma tentativa de entender o que está acontecendo com a democracia brasileira. Está dado que existe uma crise, um deficit democrático, que se expressa em nível mundial”, diz Rodrigo Coppe Caldeira, historiador e professor do programa de pós-graduação em Ciências da Religião da PUC-Minas, um dos membros do grupo.
A ascensão da extrema direita e de um regime iliberal como o de Bolsonaro, segundo ele, é um retrato desse fenômeno.
“O fascismo está relacionado a um momento histórico determinado, então é preciso ir com cuidado ao fazer a comparação. Mas elementos que caracterizam aquele fascismo italiano nos levam a observar semelhanças com o bolsonarismo, como o flerte com as milícias, o discurso da violência, o antipluralismo, a ideia do líder como defensor do povo contra as elites corruptas”, afirma Caldeira.
A direita que apoia Bolsonaro, obviamente, rejeita a pecha de fascista. Afirma que é apenas um rótulo usado pela esquerda para tentar desacreditar uma agenda conservadora de costumes, com menos interferência de Estado e em oposição ao “globalismo”.
As investidas contra as instituições, para os bolsonaristas, seriam apenas críticas respaldadas pela liberdade de pensamento, que não pode jamais ser castrada. Episódios de violência seriam casos pontuais e difíceis de serem controlados.
Outras iniciativas de estudo da extrema direita que estão surgindo veem a relação entre bolsonarismo e fascismo com cautela, como é o caso do Observatório da Extrema Direita, ligado à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
“Você tem elementos claramente fascistas no governo, como o olavismo, ou os praticantes de um catolicismo exacerbado. Mas o governo Bolsonaro é muito cacofônico”, diz Guilherme Casarões, professor da Fundação Getulio Vargas.
Ele é um dos coordenadores do Observatório, ao lado de Odilon Caldeira Neto, professor de História Contemporânea da UFJF, e David Magalhães, professor de Relações Internacionais da Faap e da PUC-SP. No total, 13 professores e pesquisadores estão envolvidos com o projeto.
“Às vezes a agenda do Bolsonaro atrai grupos fascistas, ou neointegralistas. Mas a definição de fascismo é relativamente recortada”, diz Magalhães.
Como lembra Caldeira Neto, o governo Bolsonaro tem espaço também para componentes cuja relação é bem maior com o liberalismo, embora regimes fascistas no passado tenham recorrido a liberais como suporte técnico. São os casos de Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura), por exemplo.
“O bolsonarismo é fenômeno muito diversificado. O presidente tem relações com a extrema direita, mas não dá para dizer isso do governo como um todo”, afirma.
Ao menos num ponto a semelhança é indiscutível. A exemplo de Mussolini, Bolsonaro gosta do gesto de “dar uma banana” para seus detratores, como fez algumas vezes em Brasília.